O intérprete não colaborou, tinha uma voz muito monótona, depois de menos de cinco minutos resolvi ouvir a fala original em inglês. Gostaria que esta tivesse sido a única razão para a debandada do público, mas temo que o maior problema tenha sido de conteúdo. Camille Paglia está longe de poder ser enquadrada na tradição de pensamento dos filósofos/sociólogos franceses que a antecederam na série Fronteiras do Pensamento, tradição esta na qual se reconhece boa parte do pensamento local. Ela não estava aqui para dar nenhuma meta-explicação para os problemas mundiais e todo mundo ir para casa depois achando que "entende mais do sistema".
Camille Paglia além disso apresentou uma mensagem fragmentada ligada ao debate sobre o gênero através da análise formal e interpretativa de um grande número de obras de arte do século XX. Aqui duas instâncias a colocam ainda mais distante da platéia: uma que é o modo operacional inaugurado pelo new criticism, de caráter formal e individualista. A outra é o debate, tanto teórico como da ordem da vida cotidiana, feminista/pós-feminista no mundo europeu/norte-americano, completamente estranho à realidade brasileira. Sem estas duas ferramentas torna-se muito difícil para o público estabelecer uma comunicação com a conferência. A distância que indicava esta impossibilidade específica ficou demonstrada quando a apresentadora usou o termo literatura comparativa em vez de literatura comparada.... eu mesmo não entendo até agora porque convidar uma médica da área de reprodução artificial para fazer esta introdução.
Mas creio que há ainda uma dificuldade mais elementar: o público aceita as meta-narrativas de sociólogos e "filósofos aplicados" porque elas ainda contêm um sentido pragmático em seu conteúdo, ou seja, deste tipo de conferência deduz-se um conhecimento de valor reconhecidamente prático. Percebo que uma boa parte da irritação do público em relação à conferência de Camille Paglia é a completa ausência de vocabulário de estética que dê conta da questão formal. Daí a ausência de interlocução.
Não que a conferência de Paglia tenha sido exatamente inovadora ou brilhante, afinal ela apresentou o mesmo fio condutor presente no seu livro mais famoso Sexual Personae: Art and Decadence from Nefertiti to Emily Dickinson de 1990. Mas apenas a interpretação à luz da história recente do legendário beijo entre Madonna e Britney Spears num show da MTV já deveria ter deixado a platéia mais do que satisfeita. E aí o círculo mais uma vez se fecha: porque tenho a impressão que o público ainda presente neste momento em geral considerou esta análise uma pequena anedota. E de qualquer forma havia muito pouca gente que conhecia o trabalho de Tom of Finnland.