quinta-feira, 29 de maio de 2008

camille paglia no tca ou uma difícil comunicação

O intérprete não colaborou, tinha uma voz muito monótona, depois de menos de cinco minutos resolvi ouvir a fala original em inglês. Gostaria que esta tivesse sido a única razão para a debandada do público, mas temo que o maior problema tenha sido de conteúdo. Camille Paglia está longe de poder ser enquadrada na tradição de pensamento dos filósofos/sociólogos franceses que a antecederam na série Fronteiras do Pensamento, tradição esta na qual se reconhece boa parte do pensamento local. Ela não estava aqui para dar nenhuma meta-explicação para os problemas mundiais e todo mundo ir para casa depois achando que "entende mais do sistema".

Camille Paglia além disso apresentou uma mensagem fragmentada ligada ao debate sobre o gênero através da análise formal e interpretativa de um grande número de obras de arte do século XX. Aqui duas instâncias a colocam ainda mais distante da platéia: uma que é o modo operacional inaugurado pelo new criticism, de caráter formal e individualista. A outra é o debate, tanto teórico como da ordem da vida cotidiana, feminista/pós-feminista no mundo europeu/norte-americano, completamente estranho à realidade brasileira. Sem estas duas ferramentas torna-se muito difícil para o público estabelecer uma comunicação com a conferência. A distância que indicava esta impossibilidade específica ficou demonstrada quando a apresentadora usou o termo literatura comparativa em vez de literatura comparada.... eu mesmo não entendo até agora porque convidar uma médica da área de reprodução artificial para fazer esta introdução.

Mas creio que há ainda uma dificuldade mais elementar: o público aceita as meta-narrativas de sociólogos e "filósofos aplicados" porque elas ainda contêm um sentido pragmático em seu conteúdo, ou seja, deste tipo de conferência deduz-se um conhecimento de valor reconhecidamente prático. Percebo que uma boa parte da irritação do público em relação à conferência de Camille Paglia é a completa ausência de vocabulário de estética que dê conta da questão formal. Daí a ausência de interlocução.

Não que a conferência de Paglia tenha sido exatamente inovadora ou brilhante, afinal ela apresentou o mesmo fio condutor presente no seu livro mais famoso Sexual Personae: Art and Decadence from Nefertiti to Emily Dickinson de 1990. Mas apenas a interpretação à luz da história recente do legendário beijo entre Madonna e Britney Spears num show da MTV já deveria ter deixado a platéia mais do que satisfeita. E aí o círculo mais uma vez se fecha: porque tenho a impressão que o público ainda presente neste momento em geral considerou esta análise uma pequena anedota. E de qualquer forma havia muito pouca gente que conhecia o trabalho de Tom of Finnland.


êxtase ou Cristina Ortiz no TCA

Na quarta-feira da semana passada, dia 21 de maio, Cristina Ortiz levou o público ao êxtase no Teatro Castro Alves. O impacto violento foi dado de imediato, com uma interpretação visceral de Chopin a platéia foi levada a uma altura impensável e depois a música que se seguiu, Brahms, Debussy e mais uma vez Brahms com o concerto para piano e orquestra n° 2, foi equilibrando a todos num céu, levados contra qualquer gravidade que tentasse atrair-nos ao chão, como um vento que continuasse soprando. A última vez que tive tal experiência com música ao vivo já faz uns três anos, era o show de Los Hermanos na Concha Acústica, lançando o disco 4.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

da política à arquitetura e daí à política mais uma vez e ao Caramuru

O Docomomo-Bahia lançou uma campanha pública para tentar salvar o Edifício Caramuru. Pelo que li em A Tarde da última sexta-feira, em reportagem de autoria de Mary Weinstein sobre uma visita de técnicos e políticos ao local, o governador do Estado dá a entender que o parecer dos técnicos, que indica o tombamento do prédio, pode não ser levado em conta. Eu só me pergunto se os políticos brasileiros decidem da mesma maneira como decidem sobre o patrimônio cultural, quando se trata da liberação de uma nova vacina ou sobre as condições de transporte e armazenamento de alimentos, ou ainda sobre o traçado de novas avenidas ou sobre a política de juros: vale mais o que "quem governa" acha? (porque seria "achismo" mesmo, afinal não é possível que um político seja técnico em todas estas áreas, incluindo a cultural).

Mas parece que com cultura, e com arquitetura em especial, as coisas são decididas, digamos assim, de uma maneira menos estritamente técnica. Ou nem há o que decidir. Há incentivos públicos hoje para cinema, artes visuais, teatro, música (para esta expressão artística há muito incentivo), mas nada para arquitetura. Praticamente a única forma em que isso acontece, em todos os níveis de governo, é via patrimônio histórico, ou seja, nunca incidindo sobre a produção contemporânea. Tudo parece indicar que o país de Niemeyer não entende que arquitetura é parte do seu fazer cultural. Senão, o Caramuru não seria objeto de tantas dúvidas.

Por outro lado, por mais triste que a situação seja para quem tenha alguma relação de interesse por arquitetura, há algum avanço em relação àquilo que ocorreu com o Clube Português. Há cinco meses atrás, o clube foi demolido sem nenhum patamar de negociação. Ao Caramuru está sendo dada a oportunidade de debate, por mais assustador que seja o nível de discussão (demolição ou não). Mas não temos efetivamente nenhuma garantia contra uma ação noturna, ou em um fim de semana prolongado, que venha a repetir o destino de outras edificações que "atrapalhavam" os interesses puramente financeiros na cidade. Até porque mesmo a sensibilidade dos órgãos de patrimônio para a arquitetura do século XX ainda precisa ser cultivada.

Em poucas situações deve haver uma nitidez tão grande na relação entre salvar um patrimônio recente e tentar manter alguma validade cultural da arquitetura no momento atual.

Para quem não lembra (algo muito improvável, eu espero) e para quem não conheceu o mérito maior de sua arquitetura, algumas fotos que fiz, pouco antes de seus brises serem desmontados.






sábado, 10 de maio de 2008

eu, eu mesmo e irene

"todo o meu trabalho é altamente pessoal; é mais pessoal do que eu mesmo. Quero dizer, lendo os meus livros tem-se uma relação muito mais íntima comigo do que tendo uma relação comigo."
Will Self

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Espanha X Áustria

Atualmente o El País é sem dúvida o melhor jornal em versão web que conheço. Seu caderno cultural incluído. Isto explica em parte o interesse do jornal pelo texto de Jelinek sobre o monstro de Amstetten, como o pai-estuprador-avô do porão na Áustria já ficou conhecido. Mas isso apenas em parte.

Quem lê o artigo não pode deixar de notar um certo tom de ironia ou mesmo deboche por parte de seu autor, o que somente se explica pelo preconceito histórico dos países ricos da Europa Central e do Norte contra os seus vizinhos do sul. Espanha e Portugal ainda são vistos por uma parcela considerável da opinião pública daqueles países como os retrógrados católicos machistas que vivem da subvenção da União Européia. No caso da Espanha, todo o avanço social e material dos últimos 30 anos é quase que ignorado. Nem mesmo o marco representado pela nova lei de união civil espanhola, que iguala em todos os campos do direito a união civil entre homossexuais e entre heterossexuais, foi capaz de alterar significativamente este preconceito. Daí o articulista de El País não tentar esconder um certo gozo ao afirmar que "alguma coisa a Áustria deve ter, para que seus escritores a tratem tão mal."

O artigo é muito bom, para quem quiser ler

http://www.elpais.com/articulo/cultura/Jelinek/agita/horrores/monstruo/Amstetten/elpepicul/20080508elpepicul_1/Tes

E o texto de Jelinek, em alemão,

http://www.elfriedejelinek.com/

na seção aktuelles.