Terminei de ler Gehen, de Thomas Bernhard. Fazia tempo que não lia algo tão divertido. Bernhard é normalmente associado a qualquer coisa de séria e rancorosa em relação à Áustria – inclusive a proibição testamental de encenação de suas peças no seu país – ou de triste e desesperado, abrangendo neste caso os seus livros autobiográficos.
Lendo Gehen (Ir, Ir-se embora, Caminhar) fiquei com a impressão de que Bernhard é tomado por demais em sério. O narrador da história nos conta o que lhe foi contado durante um passeio entre os distritos 20 e 9 de Viena por uma pessoa que a ele descreve as condições e o momento em que a figura central – o tempo todo ausente, porque já internada – enlouqueceu completamente.
Como se não bastassem as muitas gargalhadas que o livro proporciona, Gehen é interessantíssimo como exercício de composição: em poucos exemplos conheço tanta equivalência de estrutura e forma entre diferentes formas de arte como entre este texto e uma composição minimalista radical. Como uma peça de Glass da época – por exemplo, Music in similar motion – Gehen é um contínuo espiral de temas cuja repetição é a base mesma para a sua evolução. Gehen vive da repetição como fundamento para a exploração dos limites sintáticos.
A tirar pela literatura, ou pelo menos por livros como Gehen e Michael, este de Jelinek, o início dos anos 70 na Áustria deve ter sido uma época muito louca e muito engraçada.