terça-feira, 21 de abril de 2009
Nós, os vivos
Em estilo, poderia ser entendido como um filme à Jim Jamursch. A estrutura em episódios entremeados, o distanciamento entre o espectador e o que é contado, a seleção musical, um certo cuidado com a fotografia, que reluz o tempo todo. Mas "Vocês, os vivos", filme de Roy Andersson, vai bem além. Estocolmo apresentada como a essência do puritanismo, os ambientes com a decoração reduzida ao mínimo, brilhantemente situados dentro de uma arquitetura da época da reconstrução do pós-guerra e que marca as cidades da Europa do Norte e Central entre os anos 50 e 70 do século passado, um misto de vazio de objetos e um modernismo bege acinzentado de leves tons de azul esverdeado que serve como cena para vivos que estão entre a alcoólatra reclamona e o funcionário público carimbador padrão, assim umas figuras quase não vivas. A princípio.
Porque além de Jim Jamursch lembrei da luz com que Hopper ilumina as figuras de seus quadros, e então é como se os personagens do filme fossem as figuras de Hopper em movimento, com aquela mesma mistura de ansiedade e torpor no rosto. Este efeito, o de fazer lembrar da pintura, é reforçado pelo recurso estético central do filme, o de usar a câmera parada em quase todas as cenas.
Os espaços estão apresentados em perspectivas cuidadosamente construídas, em planos paralelos ao observador ou em ângulos bem marcados, em todo caso com um equilíbrio pictórico super detalhado, e sempre a serviço de evidenciar a profundidade espacial: o espaço é tratado com um rigor geométrico como em poucos filmes, quase obsessivamente, e nunca é contido: portas e janelas se abrem para ampliá-lo, pátios e praças se conectam a outros, vários planos verticais indicam o que segue, o que continua. Entre o Renascimento e Le Corbusier.
E esta contraposição equilibrada (entre a câmera parada associada ao tratamento geométrico e pictórico da cena e a profundidade espacial) é tratada como unidade para formar outros dois pares de compensação compositiva: um com a natureza (o dia sem fim, os trovões e a chuva do verão sueco) e o outro com a música, que ao lado dos sonhos (que trazem risos ao filme), representa ali tudo o que é vivo. Prestem atenção no baterista da cena do enterro.
Por duas vezes a palavra é dirigida ao espectador, em um recurso literário que surge para que o título seja entendido. E para lembrar que o espaço da pintura também nos inclui.
domingo, 12 de abril de 2009
O Pruitt-Igoe do pós-modernismo tupiniquim?
Sobre a demolição do Obelisco e passarela de Ipanema
O prefeito do Rio de Janeiro decidiu, a partir do resultado da enquete realizada pelo Jornal do Brasil em sua versão online: passarela e obelisco de Ipanema devem ser demolidos.
Quem acompanhou o jornal durante a última semana foi testemunha de uma série de reportagens que apresentavam argumentos relativos à queda de vendas dos pontos comerciais da área, da falta de privacidade para os vizinhos, dos problemas de orientação no tráfego, mas acima de tudo de caráter estético.
Quando o conjunto habitacional Pruitt-Igoe, localizado em St. Louis, Estados Unidos, foi demolido em 1972, apenas 16 anos depois de ter sido construído, as razões eram de ordem social: crimes e vandalismo o assolavam. Ao menos nos países anglo-saxões, esta data passou a ser usada como o marco do fim do modernismo.
Naquele momento, por menos que pudessem ser evidenciadas filiações, tentava-se enterrar tanto o programa governamental de habitação popular norte-americano como todo o legado vindo da experiência dos grandes e bem sucedidos conjuntos do modernismo dos anos 20 na Europa, no fundo, toda a experiência de arquitetura moderna. Bem, o cenário da arquitetura internacional dos últimos 15 anos indica que o legado do Movimento Moderno está tão vivo quanto nunca. E que o Pruitt-Igoe deveria mesmo ser demolido.
Da mesma maneira que as razões para a demolição do problemático conjunto habitacional eram de ordem social, as que justificam a demolição do obelisco e passarela de Ipanema são acertadamente de ordem estética. É chegada a hora de nos livrarmos em todo o país desta idéia de que cabe ao arquiteto distribuir enfeites sobre as fachadas das construções ou pórticos, traves, qualquer coisa que saia do plano do chão sobre as praças e jardins, com ou sem argumentos (pseudo-)históricos.
E se há pouco no Pruitt-Igoe da arquitetura moderna dos anos 20 europeus, há tão pouco, ou talvez menos até, do trabalho de Robert Venturi ou Aldo Rossi em quase tudo aquilo que no Brasil recebeu o rótulo de pós-moderno: frontões e colunas de gesso aplicados sobre edifícios de apartamentos, shopping centers ou igrejas neo-petencostais, ruínas inventadas, pórticos e traves em praças públicas e jardins, para os quais ninguém nunca conseguiu perceber alguma utilidade prática. Tudo mais ou menos de mau gosto.
Em Salvador abundam exemplos: a Praça da Inglaterra, com suas vigas de concreto pesadíssimas, o jardim dos namorados na orla, com seu Stonehenge multicolorido, a Praça Jardim da Pituba, com sua sequência de traves tortas, e outras versões menos robustas no Largo do Papagaio e na Madragoa. Mas creio que tudo isso não tenha o impacto negativo dos absurdos passarela e obelisco de Ipanema, que felizmente deixarão de tornar feio o bairro 13 anos após terem sido erguidos.
Que este debate, aberto pelo Jornal do Brasil, se estenda por todo o país e que o fim da passarela e obelisco de Ipanema se tornem um marco nosso, tupiniquim. Estamos precisando. Por razões de ordem estética.
sexta-feira, 10 de abril de 2009
deu em A Tarde
Na mesma edição do jornal, o Sr. Amando Avena defende as últimas intervenções propostas e realizadas pelo prefeito de Salvador chamando-as de modernização, comparando-as inclusive com o Elevador Lacerda e as avenidas de Vale. Pelos exemplos locais que cita, o autor sugere modernização como o oposto de preservação. Estranho que ele não perceba que para a construção da pirâmide do Louvre, exemplo citado pelo Sr. Avena, não foi necessário por abaixo o edifício histórico.
Acontece que a já velha idéia de modernização também se moderniza e uma das suas forcas mais revigorantes foi a ecologia. Modernizar a Pituba não significa necessariamente verticalizar a sua orla. Enquanto as grandes cidades europeias, grandes mesmo ao lado de Salvador, orgulham-se de terem tornado limpos os rios que as atravessam, Salvador ainda "tapa" os seus, para esconder o fato de eles terem se tornado canais de esgoto a céu aberto. Moderno hoje seria tratar os rios.
Pois é, antes de Londres construir a roda gigante à beira do Tâmisa, outro exemplo citado no referido artigo, este foi saneado em um trabalho que levou anos. É que não haveria público para uma atração destas ao lado de um rio fétido. E para saber que cobrir um rio com superfície impermeável não é a solução indicada, nem seria necessário observar o que europeus fizeram com os seus rios, basta olhar a cada ano no período de chuvas para o vale do Anhagabaú em São Paulo e ter um exemplo do que não deve ser feito.
Eu também gostaria de ver todas as barracas de praia retiradas da orla, mas também todos os restaurantes de alvenaria que querem sucedê-las. Eu também gostaria de ver as praias da cidade limpas, não só as da Cidade Baixa, senão também a Pituba, Armação, Boca do Rio, e sei que quanto mais moradores forem convidados a se instalarem na faixa imediatamente vizinha à orla, mais distante estará a possibilidade de que isso venha a acontecer. Hoje toda a drenagem de águas pluviais sem qualquer tratamento aparente - espero que sejam somente estas... - de toda a Pituba é despejada na areia da praia...
Continuo aguardando ansiosamente a grande época das demolições. Aquelas que atingirão os edifícios construídos e a construir depois da recente liberação do gabarito da orla.
E creio que a atual gestão já entrou para a história da cidade, ao menos pelo que fez com o calçadão do Porto da Barra. Minha opiniao sobre isto e sobre a Av. Centenário já escrevi neste blog.