quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

pouco mais de 24 horas em Viena

De Traunstein a Viena de trem foi ontem, como muitas vezes no inverno, um percurso de muita neve a neve nenhuma. Paramos em Salzburgo, porque Christopher tinha esquecido a bolsa na casa de Anja na noite anterior e fomos encontrá-los no café Fingerlos. Por isso, passei ao lado do edifício na Humboldtstrasse, de cuja equipe de projeto fiz parte e que já está habitado! A substituição do material do guarda-corpo das varandas foi vantajosa. É muito legal ver o projeto pronto e habitado, embora os primeiros sinais de uso já estejam lá: provavelmente o caminhão do lixo quebrou o canto da parede no térreo, sobre o bicicletário. Pegamos um trem bem vazio e em St. Pölten entrou um húngaro, trabalhador da construção civil, que, mesmo arranhando apenas algumas palavras em alemão, nos contou que já trabalhou na Itália e na Espanha e que foi passado para trás nos dois países (patrão não pagou o salário), mas que o empregador austríaco era de primeira. Os europeus de leste são hoje na Europa os nordestinos dos anos 50 e 60 no sudeste do Brasil. Mas no meio da conversa deu ainda para dar uma espiadinha na árvore de Natal de Schönbrunn.
Em casa, email de Junior avisando que atrasarão em 24 horas a chegada a Viena. A Galeria (o mini-shopping aqui da rua) está todo reformado, fomos ao supermercado para as compras do jantar do dia 31.
Na academia hoje, a notícia triste de que o cara mais bem humorado e comunicativo entre os frequentadores assíduos se suicidou. Sempre nos referimos a ele como o Papai Noel, pela barba branca, o sorriso generoso e a barriguinha. Era fácil imaginá-lo vestido de Santa Klaus. Sempre falava da morte, mesmo que estivesse sorrindo quase todo o tempo. É, para finalizar 2010, a notícia do suicídio do Papai Noel da academia da Landstrasse. Triste. E faz muito frio.

domingo, 26 de dezembro de 2010

do verao ao inverno na noite de natal

a dengue me fez adiar meu vôo e viajar na noite do Natal: eu sabia que o avião estaria vazio (e muitos puderam dormir deitados na fila central) mas não contava com fauna tão esquisita, encabeçada pelos baratíssimos turistas italianos voltando para casa. Também havia famílias brasileiras que pareciam ter comprado pacotes mais baratos pela data, como no último episódio de A grande Família. Mas o avião estava vazio, ninguém chegou a incomodar ninguém.
Muita chuva e muio frio em Lisboa, a parte nova do aeroporto além de ser horrorosa não possui calefação, ali dentro fazia os mesmos 9 graus de lá fora, e o avião atrasou uma hora para sair em direção a Munique. Bem, Lisboa, como sempre.
O avião fez várias voltas antes de pousar: do alto os poucos automóveis nas estradas do dia feriado e a neve cobrindo tudo compunham uma cena de fim dos tempos. No chão, impressionava o exército de tratores que mantém a pista do aeroporto limpa, que era a única área não coberta de neve. Aliás, no momento da aterrissagem nevava aquela neve seca, fininha, boa para esquiar. O finger em Munique era de tão frio a antítese mesma do finger no Galeão há menos de um mês, quando fazia 39°C lá fora às 18 horas e dentro do finger parecia fazer 50°C no mínimo.
Minha mala chegou apesar da etiqueta super mal impressa em Salvador. Como o avião atrasou, deu para tomar uma Leberknödelsuppe ainda no aeroporto, no tempo de espera do trem. Em Traunstein, tanta neve que não dava para mudar de lado na rua. Frio, como sempre.
Os ingressos para o show de Tennis já estavam na caixa dos correios. Agora é só esperar até o dia 14.

sábado, 11 de dezembro de 2010

De Vargas Llosa para a Bahia e todas as outras províncias (um recado meu)

Reclamei muito nas últimas horas da ausência completa de notícias sobre a cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Literatura a Vargas Llosa na imprensa brasileira e na internacional como um todo - entre os periódicos que leio o El País é a única e grande exceção.
O noticiário se debruçou sobre a cadeira vazia do chinês que ganhou o Nobel da Paz, numa clara defesa dos EUA, e por tabela contra Wikileaks e Assange. Triste, com isso eles poem em jogo a liberdade de imprensa mais importante, que é a própria, em nome de um jogo econômico entre EUA e China. Vargas Llosa defendeu ontem mais uma vez uma sociedade liberal, aquela onde a diplomacia suja e toda forma de ditadura são evidentemente atacadas. Mais uma vez, em sua posição crítica contundente, ele estava ali desagradando uns e outros.
Seu discurso de recebimento do prêmio (disponível na íntegra em http://e.elcomercio.pe/66/doc/0/0/2/5/8/258534.pdf ) é muito próximo à sua introdução do livro El viaje a la ficcion, um ensaio crítico sobre a literatura de Onetti, onde Vargas Llosa defende a função de transformação social da ficção. É uma ampliação das consideraçoes feitas a partir da obra de Onetti para os campos da sua vida pessoal, da obra de outros autores e da política enquanto existência no mundo.
Se o presidente do Brasil tivesse um pouco de humildade, alguma ambição intelectual e generosidade, ele teria muito a aprender com o discurso proferido pelo grande autor peruano ontem em Estocolmo. Os baianos também, mas não me iludo: eu já imagino que poucas pessoas aqui no Fim do Mundo irão ler este discurso. Mas a Bahia bem que precisava, e muito, refletir sobre este texto. A Bahia das três letrinhas e a Bahia do tem tem tem; a Bahia do Axé e do Pagode; a Bahia dos afro-descendentes e a Bahia branca; a Bahia do Shopping Salvador e da Feira de Sao Joaquim; a Bahia de Sauípe e Praia do Forte e a Bahia da Fazenda Grande do Retiro.
Como o Fim do Mundo é mesmo meio preguiçoso, fica aqui uma pequena mostra do que Vargas Llosa disse ontem:
"Detesto toda forma de nacionalismo, ideología - o, más bien, religion - provinciana, de corto vuelo, excluyente, que recorta el horizonte intelectual y disimula en su seno prejuicios étnicos y racistas, pues convierte en valor supremo, en privilegio moral y ontológico, la circunstancia fortuita del lugar de nacimiento."
Daqui do Fim do Mundo, te saúdo uma vez mais.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Fluminense

Algumas pessoas já me ouviram contar esta história: há algum tempo atrás Carol T. me perguntou se eu torcia pelo Bahia ou pelo Vitória, e eu lhe respondi que torcia pelo Bahia da mesma maneira que falava a língua portuguesa, ou seja, sem escolha, anterior a qualquer condição de autonomia intelectual. Meu pai era torcedor sócio do Bahia: meu primeiro banho de mar foi ali, na Boca do Rio (não se preocupem, à época de que falo a praia não era poluída), e temos fotos deste dia, e os primeiros bailes de carnaval a que fui foram ali também na sede de praia do clube.
Meu pai era tricolor, também por definição do adversário: é assim que se aqui na Bahia ele era contra o rubro-negro, no Rio ele era logicamente Fluminense, ou seja contra o rubro-negro local (me diverti muito hoje com um colega que sequer diz o nome do rubro-negro que acaba de cair para a 2a divisão, tendo se referido "àquele outro time"). Hoje talvez existam pessoas que sejam só Bahia, mas naqueles tempos todo mundo torcia também para um time do Rio. Por isso meu pai enviava telegramas de felicitaçoes às Laranjeiras a cada conquista de título do Fluminense.
Nem é preciso dizer que no futebol de botão tive dois times: o Bahia e o Fluminense. Mas como mais da metade dos vizinhos também tinha um time do botão do Bahia, o meu sempre era o Fluminense.
Ter acompanhado o Fluzão mais de perto nos últimos meses - desde a virada dos guerreiros contra o rebaixamento - foi um grande prazer. E foi um jeito renovado de lembrar de meu pai.

sábado, 4 de dezembro de 2010

desde a bahia não-profunda: populismo de 4 de dezembro

A emissora de TV mais vista no fim do mundo faz jus à sua condição geográfica, aliás é um dos elementos fundamentais de sua perpetuação. Seus telejornais brilham mesmo em festas populares, datas cívicas, aglomeraçoes religiosas, e se for verão então, temos prato feito. Assim foi hoje, ao noticiarem a festa/missa/aglomeração no Pelourinho para saudar Santa Bárbara.
Confesso que às vezes gostaria de descobrir um responsável pelo que é mostrado, mas creio que redator-chefe, editor de imagens, repórter e povo dividem igualmente este pódio. Primeiro um senhor tratou de Santa Bárabara e de Iansã como duas personagens históricas, para depois sair pela tangente mais ou menos consciente do que tinha falado, encerrando o paralelo que ele tinha inciado com uma resvalada pelo acostamento. Na sequência, falou o padre da missa-show, dizendo por sua vez que Santa Bárbara era exemplar para todas as mulheres por ter sido alguém que se opôs à família e seguiu seu próprio caminho.
Duas mensagens tão esquisitas, tão esdrúxulas, em meio a imagens da santa quase caindo do andor, gente gritando e batendo palma como se nao se tratasse de uma missa e um passeio da câmera pelo altar no mercado na baixa dos sapateiros: a bahia, não sei não.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

arquitetura e urbanismo, parte 03

A favela como a conhecemos hoje é um dos melhores exemplos, se não o melhor, do capitalismo tornado espaço: ali onde o Estado nada regula, onde o Estado surge depois para cobrar impostos e taxas de serviços, apenas para oficializar a ausência do Estado, o espaço disponível é completamente privatizado (usado para habitação unifamiliar - mesmo que esta família cresça e a casa se divida entre os seus membros, permanece a noção de unifamiliar - , que vem a ser o que há de mais privado, ou para comércio) e o que é de uso comum é somente o mínimo destinado à circulação física de pessoas.
No espaço sem lei, prevalece a lei que transforma todo o espaço em mercado, não há vazio para jardim, não há vazio para praça, não há chance nem para o mínimo contato com o exterior, aquilo que se situa já fora dos limites do que é estritamente privado: janela é luxo!
Favela como espaço é expressão do capitalismo livre de qualquer noção do outro como respeitável, é o tornar realidade espacial do vazio completo das noçoes regulatórias da sociedade, do coletivo, do que é comum, que em termos espaciais tradicionalmente se chamam urbanismo. Favela é o modelo ideal para quem vive de especulação imobiliária oficializada. Favela é a expressão máxima do individualismo ferrenho, que por sua vez é a noção mais sintética que define a sociedade brasileira.
Por isso, diante dos acontecimentos nos últimos dias no Rio de Janeiro:
Vento, luz e árovre, favela, não!
Wind, Licht und Baum, kein Favela!
To be continued.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

a morte de JCC, o menino que morava na propaganda do governo da bahia

Os arrastoes no Rio, o assassinato bárbaro das duas adolescentes em Salvador e as circunstâncias da morte do menino Joel da Conceição Castro parecem mostrar como a vida real do Brasil estava reprimida nos últimos três meses por causa das eleiçoes e que agora a sociedade brasileira volta ao seu normal.
Na Bahia, onde os gastos com publicidade nos últimos quatro anos foram tão absurdos que fizeram o governo anterior, de ACM, parecer tímido em matéria de auto-promoção, o governo estadual, como todos sabemos, nao deixou dia algum desprovido de comercial no horário nobre da TV, mesmo em um período de vários meses durante o qual crianças, adolescentes e adultos morriam de meningite em Salvador sem ter acesso a vacina.
O menino Joel, que ontem morreu atingido por balas disparadas de um revólver pertencente ao Estado da Bahia e nao foi socorrido por servidores do Estado da Bahia, havia sido usado para a propaganda do governo da Bahia, para mostrar aquela Bahia fictícia onde todo mundo quer morar: http://www.youtube.com/watch?v=65DK7Jqo7HM&feature=player_embedded
A diferença para a morte de Daniela Perez, onde ficção e realidade pareciam se confundir em um dos assassinatos mais famosos do Brasil, é que a novela é ficção pura enquanto que o governo da Bahia vem tentando tratar a vida das pessoas como ficção ao fazer a população crer que aquelas panorâmicas de helicóptero são o seu cotidiano (quantos baianos além de políticos já fizeram um vôo de helicóptero?): não adianta pôr o menino em um comercialzinho mentiroso a serviço da perpetuação do status quo político, porque a vida real, aquela que só não vale para os políticos - e por isso foi tão bom saber que, numa fantástica exceção, o prédio onde mora o presidente da república foi assaltado -, a vida real vem e toma o menino para baixo da terra. Da ficção publicitária para a morte, este é o curto circuito da realidade social, senhores políticos. O horror é saber que os próximos quatro anos ainda nem começaram. E que os gastos com publicidade só devem aumentar.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

we all dance the rumba (in rio vermelho)

Caros, talvez vocês já saibam do que se trata, e vão entender que estou aqui para registrar: ontem à noite os moradores do Rio Vermelho tiveram mais uma experiência de vida caribenha à noite, desta vez foram cerca de 3 horas sem energia elétrica. Ainda não perguntei aos cubanos que conheço se três horas definem un apagón ou un apaguito, assim que o souber, comunicarei a todos. Enquanto isso, os moradores do Rio Vermelho vão vivendo sua vida de Sr.K, entregue a um monopólio sem fim. Hasta el próximo!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

final de primavera

De novo habitam sem as mínimas condiçoes vários sem-teto a calçada ao redor das áreas arborizadas, fios e cabos e as ruas continuam aniquilando a arquitetura ao seu redor (em um dos poucos espaços onde poderia haver desfrute de arquitetura), mas quem passa estes dias pela praça da piedade, tentando abstrair isso tudo, pode ter um grande prazer em ver as árvores completamente cobertas de flores. É por pouco tempo.

domingo, 14 de novembro de 2010

o video dos jovenzinhos ou geração milenio

Esta semana recebi via twitter e facebook, por inidicação de diferentes contatos, o link para um vídeo feito por uma empresa de pesquisa e propaganda sobre o perfil da geração milênio, ou globalizada, aquela cuja socialização já aconteceu via internet. O título é we all want to be young.
Super bem editado, com recursos gráficos interessantes (de acordo com a última moda) e imagens bem sedutoras (não seria diferente) ao jeito de um video clip norte-americano dos anos 90. A teoria porém é um tanto estranha: segundo o vídeo, depois da segunda guerra mundial, há uma mudança no mundo com as primeiras geraçoes de jovens que determinaram os rumos da humanidade: a geração do baby boom (nascidos no pós-guerra), a geração X e a nova, a do milênio, de poder aquisitivo maior à medida da passagem do tempo.
Diferenças comportamentais são apresentadas e de alguma maneira é celebrada positivamente uma suposta globalização de comportamentos via conexão total de informaçoes.
No fundo, é mais uma daquelas explicaçoes de movimentos sociais da parte rica do mundo, dos quais as classes altas e médias do resto do mundo de alguma maneira fazem parte, pecando sempre pela generalização.
Mas o que é chato é a inclusão de uma "perspectiva histórica" fortemente achatada, quebrada por espelhos, rasa, ou seja, quase plana.
Dois exemplos seriam suficientes para mostrar a fraqueza da hipótese do vídeo: os poetas românticos que morreram aos 25 anos de idade e a juventude hitlerista, motor fundamental para a ascensão e manutenção no poder do monstro nazista. E tantos outros desde finais do século XVIII. Faz muito mais tempo que os jovens dão o tom.
Mas além disso minha experiência indica outra coisa: como professor pertencente à geração X, me sinto ao menos tão conectado às redes como meus estudantes geração milênio. Sim, porque a questão do vídeo é a tecnologia de informação e o acesso a ela (e mesmo na geração do baby boom a tecnologia já seria a questão determinante), e é óbvio que os jovens tenham uma vantagem de saída (que é uma vantagem essencialmente de linguagem, e por isso de comunicação). Mas o fato de todos nós querermos ser jovens não tem a ver com isso. E além disso nem todos querem ser jovens. Ando alérgico a qualquer noção de "todos", é isso.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

arquitetura e urbanismo, parte 02

Talvez a relação entre arquitetura e urbanismo seja aquela que melhor se presta como exemplo de que um conjunto é algo diferente da soma de seus elementos. E talvez esta sentença, se invertermos a ordem de seus termos com alguma adaptação gramatical, funcione tão bem quanto a original: a noção de que um conjunto é algo diferente da soma de seus elementos talvez tenha na relação entre a arquitetura e o urbanismo um dos seus exemplos mais potentes.
Para além de seus elementos e de uma maneira claramente autônoma, um conjunto é formado pelas relaçoes e/ou a ausência de relaçoes entre os elementos, pelas regras que definem o que pode vir a ser um elemento deste conjunto, pelos tipos de relaçoes estabelecidas e/ou rompidas, os intervalos e vazios, as noçoes de limites deste conjunto, seu potencial de inclusão de novos elementos e de exclusão de outros, e pelas relaçoes várias com outros conjuntos, entre tantos outros aspectos que ainda poderiam ser listados.
[neste momento os moderninhos de plantão negariam tudo isso com base em qualquer besteira filosófica francesa; sim eu conheço estas coisas e sei que elas não servem para quase nada, me deixem aqui com minhas imagens mais ou menos objetivas e de origens matemáticas bem simples]
É claro que a cidade - e com ela aquilo que seria o urbanismo - hoje se desfaz fisicamente e tende a anular as fronteiras suburbanas e rurais, mas é mais para fazer destas áreas fronteiriças um tanto mais urbanas e não para ruralizar seus núcleos historicamente reconhecíveis. Já a arquitetura - ou as decisoes de ordem arquitetônica - corresponde à autonomia apenas metaforicamente individual frente à dimensão de coletivo inevitável do urbanismo, mesmo este das novas densidades equilibradas entre antigos núcleos e áreas antes suburbanas.
Reflexão em progresso. [ah, os moderninhos odeiam qualquer coisa que esteja de alguma maneira relacionada ao termo progresso. Que posso fazer eu? Então em inglês: to be continued!]

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Eu matei minha mãe, o filme

"And if you have five seconds to spare
Then I'll tell you the story of my life:
Sixteen, clumsy and shy..."
the smiths

 Esta noite fui assistir ao filme canadense "Eu matei minha mãe". Logo depois me veio à cabeça Half a Person, a canção dos versos acima. Ainda não sei exatamente qual a relação, mas quando eu conheci esta canção eu já não tinha mais dezesseis anos, a idade do personagem do filme, que tem o corte de cabelo exatamente igual ao de Morrissey das primeiras cançoes, daqueles clips onde ele entra no palco com um ramalhete no bolso traseiro da calça (esta deve ser a relação). Nem é preciso dizer que a história de Hubert é quase a vida filmada, a minha e de tantas outras pessoas (conheço pelo menos algumas).
O filme é excelente: a fotografia, a atuação dos atores (Xavier Dolan, que faz o papel de Hubert, é brilhante), os diálogos, o ritmo, a abertura, a trilha sonora, a luz, e uma precisa condução que não deixa nada virar sentimental ou desnecessário. Porque com este tema nada pode ser sentimental ou desnecessário.
Tomei uma rasteira com a cena da redação, Moreno se vir o filme vai saber porquê (mas Moreno só vê filme de ação....), Naia teve que me ouvir por quase duas horas depois do termos saído do cinema. O final do filme é tão bom, tão certo, tão potente sem sê-lo no momento, que é daquelas decisoes magistrais que um diretor toma poucas vezes na carreira.
Ainda nao dormi, minha mãe ainda se recupera do infarto que teve em fevereiro e o tempo é ainda o que nos resta e o que nunca é suficiente.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

o governo da desigualdade ou que venham os tênis novos

Acabo de conferir a constituição federal, artigo 5° que diz o seguinte:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, ..."
Era só mesmo para conferir, mas estava na dúvida se este artigo tinha sido alterado. Explico.
Ontem o governo austríaco anunciou mais um pacote econômico. O maior corte nos gastos do governo foi no Bolsa Família deles. Sim, países ricos e decadentes (com taxa de crescimento natural negativa) distribuem Bolsas Famílias aos seus cidadãos. Até ontem, na rica Áustria, uma família recebia cerca de 130 euros por mês por filho até que este chegue aos 26 anos de idade. Sim, até os 26 anos de idade. Passei da manchete ao texto porque estava curioso para saber como tinha sido o corte: a partir de hoje este benefício será pago somente até a idade de 24 anos.
Lá porém todos os cidadãos são iguais perante a lei. Ricos, médios e pobres recebem o mesmo valor, pois cada criança, cada cidadão permanece igual perante o Estado.
Imagina se fosse no Brasil, onde o Estado através do Bolsa Família já estabelece uma diferença entre os cidadãos, que critério seria usado para um corte destes? A cor dos olhos? A estatura alcançada aos 16 anos de idade? As preferências sexuais? O número de abortos ilegais praticados pela mãe? Pertencer a uma ou outra religião? Ah, sim, eu estava esquecendo, a renda familiar?
Acho que um dos maiores legados do governo atual é ter descumprido ostensivamente o artigo 5 da constituição federal do país. Foram várias leis, vários programas, várias bolsas que criaram desigualdades entre os cidadãos perante o Estado. O Brasil se tornou um país mais desigual. Porque o cidadão não é só o que ele pode comprar.

domingo, 24 de outubro de 2010

WER BIN ICH? ou o 1° dia do FIAC-BA 2010

wir wissen dass es etwas dahinter gibt; und dazwischen. O espetáculo de dança e teatro Tim Acy, da artista Antje Pfundtner, repete várias vezes a pergunta-título deste comentário (Quem sou eu?) mas abre avisando que há algo por trás, há algo para além do palco, daquela encenação.
Se a moldura do espetáculo posta na sua abertura é a da ampliação, da conexão para o mundo de fora, a do encerramento é a do efeito do duplo, do clone imperfeito, que de novo e de uma outra maneira, suave agora, pergunta Quem eu sou?
Da mesma maneira que as molduras estão claramente evidenciadas, o espetáculo é preciso, rico e deslumbrante na variação rítmica, formal e cênica, ao mesmo tempo que mantêm um fio condutor claro apoiado na coreografia. O seu exercício é radicalmente moderno e formal, durante o espetáculo eu pensava: ocidental, e que ótimo!
Pfundtner dá um show de interpretação e dança (e é tão importante não separá-los!), destaque para o sentar-se sobre a mesa e o bicho-papão-de-pelúcia.
Objetos, figurino, instrumentos musicais, cenografia não estão a serviço de uma pergunta simples sobre superficialidades. Moderno que é, o público não pode esperar respostas: é o público quem as dá, num frenético questionário de sim ou não. Alguma semelhança?
Sim, o eu que se pergunta quem sou eu em Tim Acy pode ser um macaco que passeia pelo universo de Jeff Koons. O sujeito no universo de consumo, aquele glorificado pela nossa política, esta mesma do sim ou não daqui a uma semana. Ainda neverá por muito tempo.
Extasiado com Tim Acy e por isso com um certo receio, nos dirigimos à Escola de Teatro para assistir à peça Comida Alemana, texto de Thomas Bernhard e encenada por um grupo chileno (e isso porque Fábio tinha comprado o ingresso e não foi e herdei o seu ingresso). Grata surpresa, depois da abertura com os atores cantando Erlkönig de Schubert, o texto permaneceu em alemão, como antes na sala do coro.
De novo, uma encenação excelente, com uma direção segura e expressiva, com atores em um desempenho coletivo e individual tão destacados quanto primorosos, inclusive cantando os Lieder de Schubert!, sem esquecer que eles estavam interpretando em alemão!
A compressão espacial é o centro da interpretação do texto, daí o exercício fantástico da direção de atores, como chamou a atenção Celso Jr. A opção por manter o texto em original é a outra - luxuosa - decisão da direção, que marca o espetáculo: o contínuo com o texto dos Lieder e a manutenção da força expressiva do jogo retórico através da repetição e ritmo que marca a obra do maior dramaturgo de língua alemã garantem a teatralidade tão distante daquilo que é o mais comum na cena teatral local. Gostei muito!
A abertura do fiac não poderia ser mais felizmente diversa daquela do ano passado; há um ano atrás, depois daquela peça de choques fakes e texto horrível, eu havia jurado ficar muito tempo longe do teatro. Ontem saí do Canela-Campo Grande me perguntando com que coragem um festival é aberto com duas encenaçoes de nível tão alto, tão excelentes. Tomara que continue assim!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

cuba - seja, não! - é aqui ou mais um apagão no Rio Vermelho

Já são incontáveis os apagoes no Rio Vermelho desde aquele que durou 11 horas. O de ontem à noite durou 3 horas, das 21:30 às 0:30. Isso aqui é só um registro de que Cuba é mesmo aqui (e estou seguro que as chuvas de Salvador são mais poderosas que os furacoes do Caribe, outra explicação não há): apagoes, monopólio de serviço, cidadãos transformados em Sr. K. Que todos tenham um bom dia.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

das diferenças entre plano e ação ou porque outra vez não ao PT

José Luis Zapatero, primeiro-ministro espanhol, chegou ao poder através das eleiçoes de 14 de março de 2004 inesperadamente, pois até o dia 11 de março, dia em que Madrid foi atacada pela Al Qaeda, o partido conservador liderava todas as pesquisas com uma ampla margem. Acontece que os conservadores tentaram tirar proveito político das mortes, atribuindo nas primeiras horas a autoria das explosoes ao ETA. Os espanhóis não perdoaram tamanha monstruosidade, elegendo os socialistas.
Apenas 15 meses depois, no dia 30 de junho de 2005, o parlamento espanhol aprovava a lei que permitia o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, que foi publicada no dia 2 de julho, entrando em vigor no dia seguinte, 3 de julho de 2005. E isso ocorreu não sem disputa acirrada: a Igreja Católica organizou imensas passeatas, moblizando centenas de milhares de pessoas com os velhos clichês homofóbicos. Mas o governo socialista não recuou e manteve a promessa da campanha.
E é sempre bom lembrar: a lei aprovada pelo parlamento espanhol, conhecida como lei 13/2005 (o que é bem irônico para nós), foi absolutamente pautada pela diretriz de estabelecer a igualdade entre os cidadãos; em vez de criar instituiçoes legais que gerassem modificaçoes em centenas de leis com o intuito de manter determinadas diferenças entre os casais heterossexuais e homossexuais, como havia sido a prática em outros países da Europa, a Espanha optou por alteraçoes mínimas no Código Civil, trocando os termos marido e mulher por cônjuges e pai e mãe por progenitores. Assim, e somente assim, estava garantida a igualdade entre os cidadãos perante a lei.
Em 1995, dez anos antes da grande data espanhola, a deputada federal Marta Suplicy, do PT, apresentou ao congresso brasileiro o projeto de lei n°1151, que prevê a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, um contrato de 2a categoria em comparação ao casamento, seguindo o modelo das leis que àquela época tão distante haviam sido aprovadas em alguns poucos países europeus.
15 anos depois, em 2010, este projeto de lei, há muito caduco, ainda se encontra na fila de espera para ser levado à votação, e só não foi arquivado definitivamente graças ao empenho do há muito falecido Luis Eduardo Magalhães. De lá para cá, Lula garantiu às "bases católicas" nas eleiçoes de 1998 que ele não deixaria o projeto de sua "companheira" de partido ir adiante, em troca de apoio e votos. Depois disso, Lula chegou ao poder com as eleiçoes de 2002 e estará no poder até dezembro de 2010, em um período de exatamente 8 anos, ou 96 meses.
Nestes 96 meses, o governo Lula autorizou a realização de conferências (para isso alguém precisa de autorização?), elaborou programas e programas, apoiou paradas gays, tudo explicadinho através de um documento que recebi de um petista em função da minha indignação pública frente ao compromisso da candidata Dilma com os "sentimentos religiosos" dos representantes das igrejas em funcionamento no país.
Efetivamente, frente ao Estado brasileiro os homossexuais hoje têm a mesma situação legal que há 15 anos atrás, a de cidadão de segunda classe. O governo Lula nada fez para acabar com esta desigualdade entre os cidadãos.
O que eu queria mesmo é comparar o que se pode fazer e efetivamente foi feito em 15 meses com o que não se fez em 15 anos. As condiçoes de aprovação política que Lula teve durante todo o seu mandato teria permitido a ele peitar esta e várias outras políticas igualitárias no Brasil, mas ele não fez. Zapatero o fez em 15 meses, porque este era um tema realmente importante para ele e para o partido socialista espanhol. Este tema nunca foi e até hoje não é importante para o PT, não sou eu que digo, são estes 15 anos, a ausência de fatos deste 15 anos. E o compromisso da candidata do PT com as igrejas evangélicas é a garantia de que se ela for eleita nada será feito nos próximos 4 anos.
Sim, eu sei que ainda terei como contraponto de alguns que outras questoes eram mais importantes (fome, bolsas, cotas, e outras desigualdades mais), mas isso só é a prova que para o PT a igualdade de direitos civis para os homossexuais não tem importância.
Outros ainda podem dizer que a Espanha é país de primeiro mundo com outro padrão material e necessidades diferentes do Brasil, pobre terceiro-mundista. Bem, nos mesmos anos 80 em que o Brasil saía da ditadura, a Espanha saía de outra ditadura muito mais prolongada, obscura e retrógada. E nos anos 70, as famílias de imigrantes espanhóis na Bahia ainda enviavam genêros alimentícios para os parentes que ficaram na Península Ibérica. Era talvez o primeiro bolsa-família do Brasil.
Escrevi tudo isso porque ontem, em pleno show de Los Hermanos, encontrei por acaso uma amiga petista que pela primeira vez se mostrou para mim ferrenha. Foi um encontro que me deixou muito incomodado, porque ela não conseguia admitir que eu pudesse ter outra opinião política que a dela. Tenho medo disso, quero ter a liberdade de ser igual e discordante e não perder a amiga.
15 meses não são 15 anos. Não mesmo.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

a pequenez do fim do mundo

Vargas Llosa voltou hoje àquele mesmo cantinho da edição online do maior jornal de circulação do fim do mundo. E ele só voltou porque uma das funçoes básicas do fim do mundo é afirmar a sua condição mesquinha, orientada-ao-próprio-umbigo e burra. O autor de A Casa Verde volta em um artigo que narra uma entrevista sua a outro periódico nacional (é claro que o periódico do fim do mundo não tem jornalistas para isso), onde simpaticamente ele é obrigado a responder sobre que autores brasileiros ele considera merecedores do Nobel. E porque ele cita Jorge Amado é que este jornal de nome vespertino resolveu fazer disso um artigo. Sim, e eles finalmente registraram que A Guerra do Fim do Mundo é a história do Conselheiro e de Canudos. E para a pequenez do jornal de depois do meio-dia, este livro tem destaque porque explicaria toda a América Latina (e Vargas Llosa disse isso pensando em outra coisa, estou seguro), mas para tal periódico é como se isso fosse motivo de se orgulhar da Bahia. Realmente ninguém ali deve ter lido o livro. É o fim do mundo, e sem perspectiva de deixar de sê-lo. E todos (quase todos) acham-no legal.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

fraternidade, igualdade e liberdade

Diferente de muitas opinioes que tenho lido de jornalistas e escutado de amigos, acho que o aborto sim é um tema importantíssimo para ser tratado em eleiçoes, efetivamente por ser um tema que trata de como a sociedade entende questoes de sua vida em comum. E a descriminalização do aborto pôde vir a ser um tema de eleiçoes no Brasil graças exatamente à estabilidade financeira e crescimento econômico dos últimos 16 anos: pela primeira vez não se trata de inflação ou miséria, temos tempo e ar para falar de outras coisas. Isso já seria um avanço.
Avanço este completamente aniquilado pelas forças políticas de maior peso no país, que se entregam sem nenhum pudor às associaçoes mais conservadoras e reacionárias (cuja finalidade única é a autoperpetuação como estrutura de poder sobre as massas) em troca de garantia de votos. Desta vez nem o PV segurou a bandeira de uma sociedade mais livre, igualitária, respeitosa das individualidades. O cenário político organizado é definitivamente o pior possível.
Até hoje o foco central estava na supressão da liberdade da mulher em decidir sobre uma gravidez. Os partidos fazem neste exato momento a opção - escolhem mesmo - pela morte de centenas de cidadãs que fazem aborto clandestino no país. A hipocrisia é mesmo o fio de condução da moral de quem pratica o mensalão. Erenice deve ser a santa parideira de filhos tão pródigos.
Mas hoje, para não deixar dúvidas do medo que esta gente está de deixar de mamar no poder, a monstruosidade não vacilou em demonstrar que não tem limites para sua ganância de poder. Tudo bem que Freud e os filósofos mais contemporâneos venham a explicar uma ação de tamanha repressão à maioria do eleitorado (as mulheres) como forma de garantir votos, mas aproveitar a chance e atacar os homossexuais, avisando-os mais uma vez que sob mais um governo do PT eles continuarão como cidadãos de segunda classe, é algo claramente vil: 10% da população, desde sempre descriminada, é muito menos do que os mais de 50% de mulheres. Mas será que eles fazem a conta assim: "se fazemos algo tao em contra as mulheres contando que elas votem no nosso partido, entao talvez se fizermos algo parecido com os gays, eles também irao votar em nós" ?
Pode ser que eles pensem desta maneira, não duvido nada, afinal a Sra. Dilma se orgulha da monstruosidade que é o Minha Casa, Minha vida (lá dela). Mas tenho certeza também que neste caso, os gays não se comportarão de acordo com o esquema que eles imaginam para as mulheres. A reação já começou.
E isto não é para mim nenhuma surpresa: o que está nos jornais de hoje, do pacto de Dilma com as forças obscuras do medo, é o mesmo PT de ao menos desde 1998, um partido declaradamente contra os direitos LGBT: naquela ocasião, Lula afirmou publicamente que, para nao perder os votos dos católicos, ele jamais iria deixar ser aprovado o projeto de parceira civil de Marta Suplicy, que está lá até hoje, caduco, inútil.
E digo mais: já é hora de vermos que não dá para perpetuar as políticas de desigualdade implantadas pelo PT: está na hora de todas as crianças, pobres, não tão pobres, médias médias ou não, terem direito igual ao bolsa-família, como é o caso dos países da Europa onde tais auxílios à infância são tradição: todas as crianças recebem o mesmo valor, para algumas famílias isso representa muito e ajuda, para outras nem tanto, mas as crianças, os cidadãos, permanecem iguais perante o Estado. Mas este é o governo que instaurou por lei diferenças raciais entre os brasileiros. Sim, eu sei que eles vão contraargumentar que é para o bem. Eu sei que isso não funciona.
Mas o dia de hoje é o coroamento final do acelerado processo de norte-americanização da sociedade brasileira conduzida pelo PT. Claro que eles só estão transferindo aquilo que os EUA tem de pior, as coisas boas nem sonhar. O dia de hoje completa o cenário: em seu acordo com os fundamentalistas religiosos, Dilma é a versão tupiniqui de Bush.
Vamos interromper este processo, pela saúde social do país, pelo respeito e pela igualdade de direitos.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

e o debate entre os candidatos à presidência me incomodou

estava tudo muito "agressivo-contido", cheio de perguntas não respondidas, mas no final, a candidata do governo conseguiu me incomodar; aqui o registro da minha reação no twitter:
eu sou contra a idéia de tolerância como mote de uma sociedade; tolerante é a sociedade norte-americana: branco de um lado, preto do outro.
quem tolera, nao interage, nao convive: apenas nao extermina o outro, deixa o outro viver.
uma sociedade baseada na tolerância é uma sociedade dividida!
tolerancia, como resume @sergiosobreira, é disfarce de preconceito! #abaixoatolerancia.
a sociedade brasileira nunca foi baseada na tolerância, o governo de Lula é quem tenta a todo custo fazer com que isso aconteça.
imigrantes, como o pai de dilma, nao sobreviviam sem aprender a língua, sem adotar a cultura local, por isso, o Brasil nunca foi tolerante.
no novo mundo, o Brasil sempre foi, em oposicao aos EUA, um país onde nunca prevaleceu a nocao de tolerância.
um candidato que faz apelo à tolerância, é um candidato que quer aniquilar o Brasil em sua experiência histórica.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

o fim do mundo, como nós o conhecemos, e achamos bom

O jornal de maior circulação no fim do mundo confirmou hoje que o fim do mundo continuará onde está por muito tempo.
Nele, a notícia do prêmio nobel de literatura concedido a Mario Vargas Llosa nao se tornou manchete, ficou como um link diminuto ao lado de Durval Lelys, do mesmo tamanho, ou seja, sendo dada a mesma importância.
O curioso leitor que abrisse este texto deparava-se com uma tradução da AFP, sem nenhuma alteração. Agora há pouco, já à meia-noite de quinta para sexta, o tal texto estava um pouco modificado, mas nada de falar do livro do autor sobre o qual os meios de comunicação brasileiros em uma ocasião com esta não podem deixar de comentar: A Guerra do Fim do Mundo.
Não é necessário explicar, mas provavelmente nenhum escritor agraciado com o nobel de literatura tenha antes de Vargas Llosa escrito um livro cuja história se passe na Bahia. É aqui mesmo, no fim do mundo. Condição à qual esta terra insiste em se agarrar, já que no seu jornal de maior circulação parece que ninguém deve saber disso. Creio que ninguém nesta redação deve tê-lo lido, de outra maneira não se explica tal omissão. É o fim do mundo.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Sensacional!!!

Começar um dia com uma notícia destas é demais: aquele que para mim é o melhor escritor vivo do mundo ganha o Prêmio Nobel de Literatura!
Parabéns a Mario Vargas Llosa!
Longe de ser um conhecedor de literatura, mas bastaria La Casa Verde (já escrevi aqui sobre o livro, quando o li: http://drmukti.blogspot.com/2007/12/la-selvtica.html) para garantir ao escritor peruano estar entre os melhores e mais reconhecidos. La Casa Verde, insisto, estabelece um patamar altíssimo de embate para toda esta esquerda rasa da américa latina.
Sim, porque, como no ano passado, com a premiação de Herta Müller, o prêmio nobel de literatura tem sempre uma conotação política. A grande diferença é que Vargas Llosa é um grande escritor, enquanto o livro mais famoso de Müller não chega sequer ao nível mais elementar dos livros dos quais ela tenta se aproximar formalmente.
Seria maravilhoso se no Brasil entre o primeiro e o segundo turno das eleiçoes presidenciais esta premiação gerasse alguma repercussão no debate político. Sei que é pura ilusão minha. Mas se servir para que mais pessoas o leiam, já é um efeito de bom tamanho.
E para quem é brasileiro e ainda nao leu, Tia Julia e o Escrivinhador e A Guerra do Fim do Mundo são obras fundamentais.
Grande notícia, logo pela manhã! Ganhei meu dia!
Una vez más, Felicitaciones a Vargas Llosa!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

o primeiro dia do fim da república do tênis novo ao tanquinho

O atual governo foi eleito prometendo a cada brasileiro a chance de possuir um tênis novo. Lembro-me como hoje da primeira vez que escutei a propaganda política no rádio, onde uma voz jovem masculina proclamava de maneira extremamente engajada a necessidade a ser satisfeita de ter um tênis novo.
Além do tom entre política estudantil e pastor protestante com megafone na mão em praça pública, o que era bem assustador, estranhei a idéia do tênis novo: tinha que pensar naqueles tênis bem brancos que os mauricinhos e patricinhas dos anos 80 usavam para fazer aeróbica, algo muito, muito cafona (isso foi muito antes do revival dos anos 80 de uns 2 anos pra cá). Era como se o grunge nunca tivesse existido ou o Nirvana nunca tivesse estado no Brasil. A noção do tênis novo era acima de tudo desprovida de qualquer senso estético.
Mas isso não era tudo, é claro. Eu não conseguia entender à época como a propaganda de um partido dito de esquerda podia investir simbolicamente em algo tão burguês, no fetiche do consumo, e de algo tão assustadoramente feio. Isso o mensalão, o BF e a falta de investimento em educação vieram explicar depois.
Mas o governo hoje pode ser orgulhoso de além de um tênis novo branquinho ser também o patrocinador através da suspensão dos impostos de um eletrodoméstico tipicamente nacional (talvez exista na China ou Índia também, não sei nem quero saber), que é o tanquinho. Um tanquinho instalado num apartamento vagabundo do minha casa, minha vida (lá dele): esta é a nova classe média.
O tanquinho não existe na Europa; aliás, a maioria das máquinas de lavar à venda no Brasil, com tampa superior e tambor com eixo vertical, quase não se vêem por lá. Lá as pessoas têm máquinas com eixo horizontal, eletrodoméstico para poucos por aqui. O tanquinho do Brasil de Lula é como aquele carro indiano que foi anunciado como o mais barato do mundo: apenas que para seguir as normas de segurança vigentes na Europa e pagar os impostos devidos, ele sairia mais caro que os modelos mais baratos já no mercado.
Desconfio que a chamada maior conquista do governo Lula seja uma invenção: a nova classe média: um grupo que acha que comprando um tanquinho e morando no minha casa, minha vida (lá dele), resolve-se a vida. De tênis novo no pé. Comprar, comprar, comprar. Só isso. E sonhar com o carro indiano.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

tv com ritmo

já estou com saudade do programa eleitoral gratuito: adoro o ritmo super veloz de edição ampliado na fala acelerada dos candidatos;
comparado aos programas normais da TV brasileira, o programa eleitoral gratuito parece um filme de Tarantino;
é claro, tudo isso porque nao importa mesmo o que é dito no programa eleitoral gratuito.
 

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

a maior bizarrice do programa eleitoral

não é tiririca, nem a mulher pera, nem os tantos outros populares-engracados-me-aproveito-da-presença de mídia-que-tenho: a pior coisa do horário gratuito na tv está sendo veiculada no Rio de Janeiro. Ali o candidato ao senado Lindberg aparece sentado ao lado do presidente e beija-lhe a mão num misto de submissão e adoração. Além de vergonha alheia, por tamanha pataquada, pois só falta o cara se ajoelhar (o gesto é como se Lula fosse o papa ou o bispo), fica o nojo mesmo, mais que repulsa, de o presidente ter concordado com aquilo, de ele aparecer sendo endeusado no comercial eleitoral. Asqueroso, doentio, perverso. Nunca imaginei que viesse a ver tal coisa em 2010.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sankai Juku no TCA, ontem

Foi muito bonito, e foi uma pena eu estar tao cansado. Breno e Leo estavam lá também, e nós mal nos cumprimentamos; Rose e Silvinha também estavam lá, e nós mal nos cumprimentamos..... que pena... mas ainda encontrei com Rose depois, mesmo que por uns intantes. Várias conversas pendentes.
Breno disse logo que era vida. Eu confesso que toda vez que a danca se distancia tanto da música (ou quando eu ao menos nao sou capaz de reconhecer de que maneira a danca se apóia em ritmo, harmonia e melodia para guardar uma sequencia de movimentos) eu passo a apreciar a capacidade de memória dos bailarinos. E que memória..... e que abdominais para suportar tanto tempo as pernas suspensas daquele jeito.....!!!!!
Um certo desenho diagramático da coreografia deu margem a várias interpretacoes; eu mesmo achei que o primeiro movimento era bem egípcio e que os bailarinso deitados no chao representavam algo vivo nao humano, como plantas aquaticas. Do cenário lindo quase acertei: aquilo que eu vi o tempo todo como Sao Paulo, o produtor esclareceu depois que era Toquio a noite. Fiquei com Sao Paulo mesmo.
Tudo muito bonito, com destaque para o figurino, especialmente aquela fenda no ombro dos vestidos escuros.
E a elipse! Nos primeiros momentos toda a plateia do TCA viu um círculo no chao em perspectiva, mas logo depois de alguns minutos estava claro que se tratava de uma elipse: o movimento dos bailarinos era quem a revelava, muito legal. E era uma elipse com uma diferenca grande entre os eixos e na diagonal do palco!
Muito bom, pena que eu estava tao cansado.......
PS o único senao para mim foi um certo estilo anos 80 da música....

sábado, 18 de setembro de 2010

incrível de ruim

Ontem à noite eu estava meio entediado diante da tv e vi uma cena da novela das oito da globo que foi a pior interpretacao de atores que já vi na minha vida. Nao sou fa de novelas mexicanas ou venezuelanas nem de filmes D baratíssimos, mas eu já assisti a muitos capítulos de Verbotene Liebe: ainda assim, a cena que vi ontem de uma mulher que forjava ter um caso com um homem para se afastar do homem amado e com isso salvar-lhe a vida bateu todos os recordes de algo mal feito, mal interpretado, mal escrito, que era quse uma ofensa alguém ter posto aquilo no ar.
Como se nao bastasse o próprio enredo - de opereta italiana barata - a mulher que tentava ser atriz duas vezes nao conseguia imprimir nenhuma credibilidade ao tal sotaque italiano / língua luso-itálica da globo, em um amadorismo tao grande, em meio a poses super estereotipadas - reforcadas pelas roupas e pelo cenário superfake - que eu tinha que me imaginar quantas vezes aquilo teve que ser repetido para chegar àquela sofrível sequencia. Como se isso nao bastasse, o seu amado, além de ser perseguido pela máfia, tinha um corte de cabelo tao esquisito (e talvez isso deva ser um disfarce na trama) que parecia mesmo ser uma terca-feira e o horário do casseta & planeta já tivesse comecado.
E no final de tudo este ator tinha que chorar numa sacada, meio enrolado nas cortinas, enquanto sua amada subia também chorando uma ladeira em outra direcao, mas esse choro dele era tao ruim, tao ruim, que parecia feito para nao deixar a atriz em uma situacao tao constrangedora.
Nao sei, nao, mas acho que nao funcionou. Tomara que eu esqueca logo isso tudo.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

cansado

e provocado; tudo o que vejo é sem-vergonhice. Se houvesse a chance de um pacto confiável (e o cansaço torna-se torpor porque esta chance nao há), eu abriria mao do direito de votar em troca da suspensao dos gastos de governo e dos partidos com propaganda. Porque isso nao é publicidade, é propaganda mesmo. Porque é algo muito nojento ver todos os dias propaganda do governo no horário nobre da tv e presenciar a demora arrastada com a compra de vacina contra meningite. Porque a soma de dinheiro nao é pequena. E este dinheiro também é meu. Cansado.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

luz, bahia e aneel

Desabafei aqui há algumas semanas depois de ter ficado 11 horas sem o fornecimento de energia elétrica. Como a raiva fora tanta, telefonei em seguida para a Aneel para fazer duas reclamacoes: uma sobre a frequente interrupcao do fornecimento de energia elétrica no Rio Vermelho, Salvador, outra sobre a situacao de monopólio absurda à qual os cidadaos da Bahia estao submetidos.
No momento mesmo da reclamacao eu já sabia que nada adiantaria reclamar (sim, somos todos Sr. K.), mas o fiz no espírito de que se reclamas, alguém mais além de você pode ficar irritado com o fato; pensando em termos da física, há uma diluicao da irritacao entre as partes.
Desde aquele dia, já houve pelo menos quatro outras interrupcoes no fornecimento de energia elétrica no bairro. Ao chegar hoje de viagem esperava por mim uma carta da Aneel. Nela está reproduzido o método de cálculo de interrupcoes de servico toleradas pela lei em um determinado intervalo de tempo e a informacao de que eu tenho o direito de pedir este cálculo à coelba. Sobre a situacao de monopólio nem uma linha sequer.
Puro cinismo, é a única coisa que tenho a dizer desta carta. Quem viu o que a coelba fez com as contas dos usuários há alguns meses sabe que eu nao tenho motivo algum para confiar em qualquer dado que a coelba venha a me fornecer sobre as interrupcoes no Rio Vermelho. Mas isso nao é o problema. O problema é o monopólio, mantido pelo atual governo sem nenhuma contestacao.
A falta de luz no Rio Vermelho já seria motivo suficiente para nao votar nestes governos. Mas aqui de novo sei que de nada adianta, no Brasil como na Bahia somos (quase) todos Sr. K.

domingo, 5 de setembro de 2010

sao carlos, pequena parte 2

Em Sao Carlos também há um cristo redentor; além de proporcoes estranhas, ele está numa baixada, no meio de uma rotatória de automóveis, uma coisa deplorável e esquisita: o que estava na cabeca da pessoa que decidiu por aquilo lá?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

impressoes de sao carlos

"hoje em dia você pode ser somente 60% marxista": esta frase de Edward Soja, na conferência de encerramento do Silacc2010 na USP-Sao Carlos foi talvez o posicionamento mais liberal, menos marxista-contra-o-capitalismo que escutei nos últimos dias; minto, entre os palestrantes, Roberto Fernandez fez uma exposicao muito boa sobre a arquitetura latino-americana das últimas décadas, mas como foi sobre arquitetura já estava quase fora do evento.
O campus da USP-Sao Carlos é de dar inveja, tao vivo e tao denso, com prédios e jardins bem cuidados, mas como lugar do seminário ele passou a adquirir um aspecto de mundo irreal desconectado do mundo lá fora. Mesmo que o lá fora - a cidade - seja tao bem equipado como Sao Carlos parece ser assim à primeira vista. A coisa mais bonita da cidade sao os vitrais da esquisita catedral; a arquitetura mais interessante que vi foi a da Rodoviária, concreto armado e grandes vaos na melhor tradicao daquilo que os paulistas fazem de melhor.
Fazia tempo que nao ouvia tantas vezes a palavra capitalismo (acho que nunca a tinha escutado tanto em tao pouco tempo). Os limites entre a funcao denúncia (longe da elaboracao de modelos explicativos com capacidade de generalizacao, como apresentou Soja) e a capacidade de articulacao de acao ficaram tao evidentes, que a ausência completa da segunda aniquilava qualquer potência virtual da primeira. Palavras-chave: encastelamento, ilhamento, olhos vendados. Longe da vida, acima de tudo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

mudando um pouco a percepção

até agora entendia a história da Professora de Piano, filmada por Haneke, escrita por Jelinek (ao escrever isso fico assombrado com a cultura austríaca contemporânea, o úlitmo encontro deste quilate no Brasil deve ter sido na época de Jobim e Vinicius, Niemeyer e Costa) como uma história particular que tem a Áustria como um lugar que garante a sua verossimilhança. Mas esta semana algo me fez senti-la mais como um comentário social, assim como uma parábola, um pequeno quase ensaio antropológico, não mais sobre a Áustria, mas sobre a cultura ocidental decadente debatendo-se com os limites de sua reprodução para a perpetuação. Viajei, talvez, mas a história é boa exatamente por isso.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

arquitetura e urbanismo

a arquitetura de salvador é bem medíocre (sem grandes lances, tudo muito controlado); o urbanismo nesta cidade é quase inexistente, assim residual; discordo da idéia de que a pobreza urbanística local é decorrente da arquitetura; acima de tudo a experiência do usuário da cidade indica que a incompetência urbana da capital da Bahia é autônoma; a arquitetura é conivente muitas vezes e outras tantas exacerba esta condicao de cidade incompetente, mas nao é por ela responsável; daí que nao vejo porque a arquitetura (o projeto de arquitetura) ter que se reportar todo o tempo a esta condicao urbana, de incompetencia inconteste; é a cidade - em especial sua dimensao nao espacial - quem sufoca a sua arquitetura em Salvador; a arquitetura que a ela se reporte, que para ela seja construída, que tente surgir a partir dela, está fadada à mediocridade; a cidade incompetente em ser cidade nao é instância válida de qualquer condicao de origem;  independencia e autonomia é apenas o que resta à arquitetura.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

pre-visoes geometricas (recolhendo o registro feito no twitter, com data e horário)

logo mais no grande trapézio deve ser confirmado que A+B é igual a A+B
logo mais o quadrado vira círculo para tornar a ser quadrado em seguida
do quadrado ao circulo e ao triangulo talvez antes de voltar a ser quadrado: tudo na rua velha
e na rua nova o triangulo vira trapezio (ou pode virar) tudo indo e vindo I.P.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

alguém finalmente falou

Sim, sao as eleicoes, e provavelmente somente por isso o assunto volta à tona (eu nao sei se isso é positivo ou negativo, sei que é triste). Ainda morre gente de meningite tipo C na Bahia, em especial em Salvador. É aquela mesma meningite cuja vacina o governo do Estado precisou de meses para comprar e distribuir, período no qual morreram dezenas de pessoas na cidade e em nenhum dia deixou de ser exibida propaganda do governo na TV.
Mas hoje no noticiário nacional da Bandeirantes uma médica do Hospital Couto Maia fez um comentário importante que ninguém ousa fazer: ela nao usou a palavra, mas o que ela quis dizer é que a densidade populacional absurda de Salvador associada à precariedade das condicoes habitacionais e de infra-estrutura é a responsável pelo alto número de casos de meningite. É a cidade em sua atual configuracao que está matando os seus cidadaos. Será que finalmente a Bahia chegará ao século XIX?

domingo, 15 de agosto de 2010

leite de chernobyl ou Obama toma um banho de mar

Algumas semanas depois do acidente de 26 de abril de 1986, chegaram aos supermercados no Brasil (ao menos na Bahia, e nao foi pouco) estoques consideráveis de leite em pó belga ou holandês, muito mais barato do que o nacional. O sabor era ligeiramente estranho, algo meio salgado, como leite em pó desnatado. Era uma época onde nada, nada importado - a nao ser uísque paraguaio - tinha alguma condicao de ser mais barato do que o equivalente nacional, muito menos leite, no país com o maior rebanho bovino do mundo. O povo nao demorou a saber que se tratava de leite de Chernobyl - algo veementemente desmentido pelos políticos de entao. Muito antes dos tempos do governo distribuir dinheiro para os pobres, a solucao popular foi a de alterar o ditado antigo que dizia "o que nao mata, engorda", para "o que nao mata imediatamente, engorda", afinal os níveis de radiacao na Europa do Norte nao foram os mesmos da Ucrânia.
Hoje pela manha abri a página dos jornais na internet e dei de cara com a foto de Obama ao lado da filha tomando banho nas águas do golfo do México, e já fiquei de mau humor para o resto do dia. Nao quero nem imaginar a química que os dois devem ter passado na pele antes e depois da sessao de fotos, e talvez mesmo a que tiveram que ingerir, para que depois nao venha a surgir nenhuma dúvida na opiniao pública de que o banho no Golfo do México é o mais saudável que existe. Os políticos populistas nao conhecem limites: quando Obama esteve pela quarta vez sobrevoando e caminhando pelo Golfo do México, eu fiz um comentário no twitter - que eu achava ser irônico - sobre a possibilidade de ele talvez estar procurando um lugar para passar as férias. Agora tenho que constatar que era verdade, como pude ser tao ingênuo.
O banho de Obama nas águas do Golfo do México é o equivalente de um político brasileiro que tenha tomado um copo de leite de Chernobyl na frente das câmeras para dizer que nao tinha problema algum com o "leite importado da Europa". E depois correr para o banheiro para vomitar tudo. Um dos piores aspectos da política é o populismo, a entrega descarada aos meios de informacao, a justificativa de que tudo o que se faz é feito porque assim o quer a maioria, e a celebracao deste cinismo. Nada, absolutamente nada é efetivamente sério para uma pessoa que faz algo assim. O banho de Obama faz o desastre ecológico ainda mais desastrado. O Havaí e o Haiti nao sao ali.
Ainda nao vi político brasileiro fazendo cirurgia pelo SUS, nem  indo morar na favela apaziguada, nem usando diariamente transporte público (isso eles fazem um dia na época de campanha; logo, logo veremos os suvacos suados na TV). Banho de mar no Golfo do México é moleza, hein senhores e senhoras candidatos?

sábado, 14 de agosto de 2010

o pátio sem árvores

Um temporal passou por Viena ontem à noite, inundou a cidade, fez parar o sistema público de transporte, fechou o aeroporto e levou a árvore do pátio. Hoje pela manha os bombeiros estavam removendo-a. Faz alguns anos um outro temporal já havia levado a outra árvore, que era menor e nao tao bonita, mas que já deixara um vazio considerável.
Mas a perda desta que sucumbiu ontem à noite é ainda maior: com suas flores lilases em forma de sinos, ela havia sido plantada quando do nascimento do dono da casa - que faleceu há alguns anos - e isso amplia o vazio espacial que o pátio agora deve ter. As casas vizinhas devem estar estranhamente mais próximas. Os pássaros nao vao mais passar por ali. E nao há tempo para que outra árvore chegue até o terceiro andar. A falta que faz já é enorme.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

salvador do alto em uma tarde de sol

Sábado final da tarde, o aviao faz aquela volta completa passando por cima do porto de aratu indo até o meio da baía para, dobrando à esquerda, sobrevoar a cidade a partir do forte de Monte Serrat. A luz por volta das 16 horas de uma tarde de inverno era incrível, dava para ver todos os detalhes da cidade. Mas ela nem era necessária para ter a confirmacao, a partir desta vista do alto, daquilo que era já evidente nas pecas publicitárias do maior lancamento imobiliário dos últimos anos cujo nome é composto de 2 palavrinhas em francês: agora que os edifícios na Avenida Paralela chegaram à sua altura final e que a massa construída total é claramente visível, o Parque Júlio César na Pituba definitivamente pode se intitular condomínio de luxo!

sábado, 7 de agosto de 2010

meu deus, lisboa!, ou um coletivo pós-freudiano

Passar por Lisboa a caminho do Brasil é sempre o mesmo: gente grossa, chateacoes, filas estúpidas, atrasos, ainda mais com o aeroporto em obras. Hoje aquilo lá era um caos, gente demais para a capacidade física das instalacoes, um horror de aperto e fila. Deu até para um medo quanto à seguranca geral daquilo tudo. Mas o que fica, cada vaz mais nítida, é a vontade de nunca ter sabido aquilo que Freud transformou em conhecimento operacional, é aquela sensacao meio nostálgica de uma imensa frustracao de que algum dia a coletividade no Brasil venha a ter um cotidiano minimamente agradável. Porque filho de peixe, caranguejo nao é.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

hair tatoo ou histórias de bicicleta

Já estava tudo fechado em Spittal an der Drau, no primeiro dia da viagem, passeando pela cidade só restava ver vitrine (a escola técnica de arquitetura era, além do bipa, a única porta aberta, e lá havia uma exposicao muito boa com os trabalhos dos estudantes). Pois bem, na vittrine de um salao de beleza eles anunciavam o hair tatoo, com várias fotos: sao padroes tipo oncinha ou cauda de pavao, mas que podem ter cores diferentes, que sao aplicados assim em uma mecha do cabelo. Hilariantemente deprimente, o supra sumo da breguice. De alguma maneira, pelas pessoas na rua ali, esta oferta do salao fazia sentido, alinhava-se com uma certa tendência local em cortes e cores de cabelo. E agora há pouco passou na tv uma alema com hair tatoo, fiquei com medo. Tomara que isso nao chegue na Bahia.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

histórias vienenses ou efeito chaminé

O vizinho do térreo fuma muito desde ontem. Primeiro, o cheiro era perceptível somente nas escadas, nas proximidades de sua porta. Depois, subindo pelo poço estreito para onde dao as janelas dos sanitários, o mau cheiro do cigarro fumado chegou até aqui em cima, no terceiro andar. Agora à tarde acendi um incenso para poder tomar banho. No inverno é tudo diferente.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

de bicicleta pela áustria

Depois de três longas viagens de bicicleta pela França - cada uma com um percurso ao redor de 1.200 km - e de uma pequena viagem de três dias em bicicleta e um dia em barco e trem no ano passado pelo Tirol do Sul, já era tempo de viajar pela Áustria de bicicleta. Encerrada há uma semana, foram 300 km em cinco dias, começando na cidade de Spittal an der Drau, descendo o vale do rio Drau até Lavamünd, daí subindo o vale do rio Lavant e atravessando para o vale do rio Mur pelo passe de Obdach (quase mil metros de altitude), e subindo o vale do Mur até Scheifling. Até Spittal an der Drau fomos de trem, em um dia super quente, com o ar condicionado sem funcionar direito (isso foi moda este verao por aqui). E de trem concluímos a viagem até Viena, partindo de um lugar perto e um tanto maior que Scheifling, Unzmarkt. Sim, já ia me esquecendo, devido aos estragos do temporal que havia caído uma semana antes, tivemos que fazer o trecho de cerca de 15km entre Wolfsberg e Wiesenau em trem. Mas esta foi a única interrupção.
A infra-estrutura em termos de estradas para bicicletas, sinalização, lojas pelas cidades é às vezes até melhor que na França, não há do que se queixar. A paisagem é muito cuidada: diferente da França, na Áustria é possível ir em bicicleta sem estar confrontado com as estradas federais boa parte do tempo: os caminhos nos vales do Mur e do Drau são cuidadosamente articulados para deixar o ciclista perto da natureza (como também foi o caso no Tirol do Sul); o único senão é que às vezes, às margens dos rios, isso pode vir a ser um tanto monótono.
Não tomamos chuva, fez calor muitas vezes, mas nada exagerado. Muito legal conhecer melhor dois estados do país, que já tinha visitado de automóvel há muito tempo atrás. De bicicleta é sempre diferente. Pontos altos: a ponte para trens sobre o Jauntal, a mais alta do mundo, 96 metros acima do leito do rio, o museu projetado pelo querkraft em Neuhaus, o mosteiro benedetino de St. Paul e as obras ali expostas, Murau e o rei Lear em inglês na companhia de Michaela, Philip e Lorenz, as montanhas todas, um certo charme de Obdach, a simpatia dos outros ciclistas, quase sempre turistas alemães (viajando de bicicleta as pessoas se cumprimentam e conversam!), sorvete em Judenburg, com sua torre monumental, a vista desde Völkermarkt sobre o vale do Drau. E a tranquilidade de estar em território onde se fala a língua do lugar.
Minha bicicleta da Alemanha ainda está aqui em Viena, a daqui por sua vez já deu o que tinha que dar (bicicleta urbana, comprada de segunda mão e barata, como tem que ser).
As fotos da viagem vou publicar nos próximos dias no álbum do flickr http://www.flickr.com/photos/mcorreiacampos/sets/72157624478859411/
Ano que vem tem mais.

salvador, to leave

Faz dezessete anos que deixei Salvador, e ainda nao completaram dois anos que retornei. No início deste período da minha vida, estar em Salvador era rever os amigos, fugir do rigoroso inverno austríaco, e simplesmente estar na cidade. Depois passei um tempo maior, onde o trabalho foi muito interessante, apesar da cidade. Mas agora, a cidade está tao ruim, que, assim de longe, a partir de um lugar onde a qualidade de vida da coletividade é incomparável, sei que cada minuto fora de Salvador é um presente. A música, que cada semana me retira da cidade, é o que salva.

terça-feira, 27 de julho de 2010

papel higienico

para descobrir a qualidade de um hotel comece por verificar se o rolo de papel higiênico está posto corretamente, ou seja, se ele é desenrolado de maneira que o papel esteja distante da parede. Se nao for assim, desconfie dos móveis novinhos, da tv de lcd, da brancura das toalhas, de todo o resto enfim.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

11 horas sem energia elétrica

Ontem, às 18 horas do dia 30 de junho, faltou energia elétrica em parte dos bairros de rio vermelho e ondina, fornecimento que só foi restabelecido hoje, dia 1 de julho, depois das 5 horas da manha. Foram 11 horas sem energia elétrica.
Era como um apagao cubano, daqueles que a populacao da ilha caribenha tenta advinhar quando comeca se será longo ou pequeno. Ontem, depois da primeira das tentativas de conserto que foi notada através de alguns mínimos segundos com energia seguidos de um estrondo monumental, além de sair correndo para retirar todas as tomadas da parede, percebi que se tratava de um apagao padrao cubano (e nao de um apaguito). Mas nao imaginava que iria durar 11 horas.
Diferente de Cuba, o servico de energia elétrica no Brasil está a cargo de companhias privadas. Igual a Cuba, eu nao tenho opcao alguma de escolher de onde comprar minha energia elétrica. Na Bahia há um monopólio no setor. Depois de passar 11 horas sem energia elétrica eu nao posso cancelar o contrato e procurar uma outra empresa, porque se eu fizer isso, ficarei sem energia elétrica, pois nao há outra empresa.
Quem hoje está no poder em Brasilia fez campanhas acirradas contra as privatizacoes quando era oposicao. Sem desejar que Cuba seja aqui, sou contra a privatizacao dos servicos de água, luz, transporte público, educacao e saúde. E, no Brasil, decorrente da situacao absurda dos servicos e tarifas, do servico de telefonia também.
Mas depois de sete anos da República do Tênis Novo nao vi nada ser feito para por fim a Monopólios capitalistas absurdos como o do servico de energia elétrica na Bahia. As tais agências reguladoras de todas as áreas nao agem como deveriam (alguém me diz onde pode ser feita uma reclamacao contra o servico dos supermercados????). Eu creio que 7 anos é tempo mais do que suficiente para enfrentar um problema destes e, no caso da Bahia, os últimos anos com o governo do estado nas maos do mesmo partido do governo federal deveriam ter sido a situacao ideal para a solucao de tal problema. Mas pelo visto isso sequer é visto como um problema.
A República do Tênis Novo nao deixou de aprimorar o melhor capitalismo do mundo do ponto de vista das grandes empresas, tolerando e com isso estimulando monopólios, neste aspecto só sendo ultrapassada ultimamente pelo capitalismo chinês. Ou pela Venezuela, onde já estao à frente na construcao de um monopólio absoluto e estatal na área das comunicacoes. Neste momento, o futuro do Brasil dá mais medo do que nunca.

bahia profunda, coletânea 8

#bahiaprofunda: por minha parte encerro aqui a brincadeira que foi divertida durante alguns dias no twitter, com a última coletânea do que contribuí.
crianças vestidas de anjo sobre o altar escalonado da igreja de Brotas no ápice do mês de Maria
vassoura-de-bruxa
Pataxó Hã-hã-hãe
o viaduto da sé: o elemento urbanístico que define toda a cidade de salvador
; agora águas rasas.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

bahia profunda, coletânea 7

quase finalizando #bahiaprofunda
cheiro de chocolate da fábrica chadler ao redor do largo de Roma
água de côco em amaralina
nao gostar (de verdade ou nao) nem um pouquinho das escolas de samba do rio de janeiro
bife de fígado acebolado do Moreira, e o Moreira em si
esporte clube ypiranga
estudar no CMS e ficar roxo de raiva ao ser confundido com estudante do colégio da polícia militar
padre hans, do vieira
comprar pão feito por um espanhol
       

quinta-feira, 24 de junho de 2010

bahia profunda, coletânea 6

esta nao é ainda a última coletânea do #bahiaprofunda :
usar “paes mendonça” como sinônimo de supermercado
miseráveis esperando por pão às terças-feiras na porta de São Francisco
carnaval descrito em "chuva, suor e cerveja"
mulatas claras de cabelo alisado e que nunca tomam sol na esperança de passarem por brancas
almocar na lanchonete subterranea da LOBRAS da av. sete
perfumar o carro com cheirinho do iguatemi
ter poupanca na aspeb e cantar a musica da abelha
pista de patinacao do iguatemi     

domingo, 20 de junho de 2010

bahia profunda, coletânea 5

#bahiaprofunda, quinta parte:
o menino mercando na praia: “ói o capelinha aí”
comprar pinguim de geladeira na Baixa dos Sapateiros
definitivamente: jiribatuba
guaraná fratelli vita
amaralina (nem pituba, nem rio vermelho); para ser mais exato, ubaranas!
o cheiro de madeira velha mofada misturado com o do esgoto mal canalizado no centro histórico 
   

bahia profunda, coletânea 4

#bahiaprofunda já segue vida própria no twitter; continuo aqui a coletânea das minhas contribuicoes:
o cheiro enjoado das árvores do Campo Grande
ter que decidir o que é melhor: subir/descer pelo plano inclinado Gonçalves ou pelo Elevador Lacerda?
achar que interior é antônimo de capital e não de litoral
esperar, esperar ou fazer esperar, fazer esperar, como se isso não tivesse importância ou conseqüência alguma
não pode faltar: os extintos banquinhos e mesas de madeira pintados pelos barraqueiros para as festas de largo 
ter tido medo da mulher de roxo     

sexta-feira, 18 de junho de 2010

bahia profunda, coletânea 3

a lama nos pés na feira de sao joaquim
em setembro, 7 meninos sentados no chao comendo caruru com a mao servido em bacia
comprar na rua 1 litro de umbu medido em lata de óleo de soja
sariguê no quintal, jacaré no dique, revoada de periquitos na pituba
itapoan antes das casas feias, e a eterna dúvida entre itapoã, itapuã ou itapoan
festa de largo da pituba, especialmente quando aconteceu na área do estacionamento do jardim dos namorados    

quinta-feira, 17 de junho de 2010

bahia profunda, coletânea 2

fila do ferry para a ilha de itaparica antes do sistema de hora marcada
sempre se referir a salvador como bahia
o caboclo e a cabocla (tinha que ter mesmo os dois, um nao bastava nao?)
adornar e perfumar a casa com galhos de pitanga pro natal
o vendedor de acaçá mercando pela rua no fim da tarde
a kombi de sorvete da primavera    

bahia profunda, coletânea 1


faz tempo a bahia resume-se a um comercial de tv; o que seria entao a bahia profunda?
acarajé fora do Rio Vermelho
cheiro de xixi na rua do paraíso durante o carnaval
terminal de linhas urbanas na praca de sé
estacao de trens da calcada, atravessar a passagem subterrânea
morar em brotas e ir a praia da pituba
tomar milkshake na cubana do elevador lacerda sentado nas cadeiras metálicas

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O danúbio que nao é azul também deságua no mar

É difícil dissociar a imagem de Viena da valsa escrita em 1866 por Johann Strauss, o segundo, An der schönen blauen Donau, em portugues simplesmente O Danúbio azul. A ela está associada toda a Viena da segunda metade do século XIX, da arquitetura historicista e monumental da Ringstrasse, os grandes bailes das últimas décadas da aristocracia e, por extensao, toda a cultura vinda de outros séculos e armazenada pelos Habsburgos, mais conhecida do turista em geral através das inúmeras igrejas e palácios barrocos espalhadas pela cidade. O Danúbio azul é, por assim dizer, a trilha sonora absoluta do turista básico que passa umas 48 horas pela cidade olhando os pontos turísticos elementares.
Entre o fim da Primeira Guerra Mundial e o início dos anos 30, quando em uma guerra civil os austro-facistas chegaram ao poder, Viena passou porém por uma grande transformacao de gestao e cultura sob o governo do partido socialista, período conhecido como Viena Vermelha. Para quem nao é turista básico, um passeio por qualquer bairro da cidade irá revelar a principal heranca desta época: os grandes Höfe, ou blocos de apartamentos para a classe operária. O maior deles, o Karl-Marx-Hof tem 1 quilômetro de extensao. As milhares de unidades habitacionais, construídas em parte em sistema de mutirao, contavam e ainda contam com lavanderia comunitária, jardim de infancia, biblioteca, escola, jardins e uma insercao urbana excelente do ponto de vista dos transportes e toda a infra-estrutura em geral. A qualidade destas habitacoes, hoje, quase 100 anos depois, ainda é impressionante, especialmente se pensarmos na quantidade realizada em pouco mais de 13 anos.
Bem, faz alguns dias o governo do Estado da Bahia lancou na TV mais uma de suas inúmeras propagandas, onde, ao som do Danúbio Azul, sao alardeadas em uma sequencia animada por pessoas muito sorridentes, as suas realizacoes, entre elas e repetidamente imagens de casinhas feitas para pobres, mais ou menos naquele padrao inferior a básico que conhecemos de uns trinta ou quarenta anos atrás: porta e janela, telhado duas águas, um apinhado de casas enfileiradas esperando a favelizacao. Eu nao consegui ainda perceber que ligacao há com a trilha sonora: porque e como a valsa de Strauss serve de pano de fundo para aquilo tudo? Alguem no governo, e na agencia de publicidade, acha que a melodia mais vulgar entre todas as valsas vienenses - por si só, um gênero nao tao cultuado - dá algum ar de nobreza, solenidade ou importância àquilo que está sendo mostrado? Acham que só a música e a publicidade já basta para isso? Mas como conferir tais qualidades a tais casinhas?
A publicidade do governo da Bahia parece ver a realidade como um turista básico vai conhecer Viena, tudo lindo, tudo imperial, tudo barroco, uma orquestra com músicos vestidos de Mozart executando o Danúbio Azul. Nem precisa ir ver o Danúbio, que nao atravessa o centro da cidade mesmo. E mostra que ela nada percebe ou compreende do que é necessário ser feito em termos de arquitetura para a populacao, porque se vangloriar do que é mostrado, é de sofrer.
Mas talvez eles apenas tenham ficado na dúvida de que trilha sonora escolher: um jingle como o do ex-governador de três letras eles nao emplacaram; Na Baixa dos Sapateiros ninguém mais conhece, Sao Salvador de Caymmi também nao funciona mais; o resto é axé ou pagode. Tinha Camisa de Venus, com Controle Total, mas aí já nao dá, né?

sábado, 29 de maio de 2010

lost in the reforma ortográfica

quanto mais eu leio jornais escritos de acordo com a reforma ortográfica, naturalmente me sinto mais inseguro com o que escrevo. Ultimamente, dei para achar todo acento circunflexo supérfulo. Outro dia, conversando com Breno pelo twitter, expressei nostalgia pelo acento agudo em ditongo decrescente oral aberto.
Cada vez mais me sinto como Bill Murray no filme de Sofia Copolla diante de uma frase escrita (a melhor parte, do Japao ser aqui, ou de eu estar no Japao, é claro que nao vem); vai chegando uma sensacao de solo instável, um torpor anestesiante diante da língua, um estranhamento pequeno, sutil, mas que deixa a dúvida de talvez estar escrevendo em língua estrangeira. Até comprei um livro muito bom sobre a reforma, mas com esse jeito bom de garantir distancia da realidade, acho que nao vou incorporar esta reforma nunca.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

mais uma foto premiada!

Depois de ter uma foto premiada pelo plataformaarquitectura e outra selecionada pelo blog archidose, agora foi a vez do archdaily (!!!)(www.archdaily.com) a escolher uma foto minha, outra foto do super fotogênico Brandhorst Museum em Munique, como uma das melhores ali publicadas! super contente!
o link para a matéria:
http://www.archdaily.com/62117/ad-round-up-best-from-flickr-part-xi/

quarta-feira, 26 de maio de 2010

comida deprê

Ir ao McDonald's tem sempre algo de deprimente. Mundo afora é algo mais ou menos constante: a horda de pessoas que escolheram nao usar o garfo e a faca para comer, os pobres jovens trabalhadores com o retrato do melhor do mês que sempre parece o retrato da "lobotomia do mês", o espaco mais ou menos desarrumado, a cozinha semi-"à mostra". Na Bahia, o grau de depressao é mais forte, mas os motivos sao completamente distintos, e bem locais: o servico mais lento que você imagine, a música ambiente péssima e muito, muito alta, e por conta disso as criancas gritando (e há mais criancas no McDonalds por aqui), um certo grupo de pessoas orgulhosas por nao estarem comendo com garfo e faca (eu ainda nao sei por que razoes este orgulho), as impressoes nas paredes que mostram as fachadas do pelourinho caindo vertiginosamente para trás e ainda mais coloridas (sim, é possível) e a batata frita um tanto mais salgada; eu digo menu, eles sempre me corrigem para "promocao?" Ja nao tenho dúvidas, se entro ali é porque alguma coisa está pegando.

terça-feira, 25 de maio de 2010

república do tênis novo, parte 1

Hoje pela manha ouvi na rádio que o presidente do país assinou uma lei que torna obrigatória a instalacao de biblioteca em todas as escolas e instituicoes de ensino do país. A mesma notícia informava que hoje em apenas 30% delas há uma biblioteca. A república do tênis novo estipulou que cada biblioteca deve ter um acervo de no mínimo 1 exemplar para cada estudante. Estranha, porque tao mínima, esta relacao numérica.
Mas o que mais me fascina, de uma maneira pavorosa, é claro, é que foram necessários quase 8 anos para que o governo percebesse a importância de escolas possuírem bibliotecas. Acho que nao é necessário escrever mais nada.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

das razoes nao ditas de um duplo assassinato

A imprensa nacional noticiou hoje o caso dos vizinhos em Sao Paulo que se mataram em uma briga cujo motivo foi o local de depósito do lixo. Alguns experts apareceram na TV pedindo mais cabeca fria da populacao e o controle de armas. Tudo bem, isso pode ate contribuir para evitar mortes estúpidas como estas. Mas a principal razao está sem dúvida na vida em monstruosas densidades populacionais, onde as pessoas nao tem direito a nenhuma área livre, a nenhuma privacidade, a nenhuma área de lazer. As imagens da rua onde isso tudo aconteceu em Sao Paulo revelam bem a situacao: casas com puxadinhos até onde o vizinho nao foi, calcadas estreitíssimas, completa falta de infra-estrutura.
As mortes sao apenas uma mínima ponta do iceberg do desconforto de quem mora tao apinhado uns sobre os outros, como nas cidades brasileiras: ruídos, odores, lixo, privacidade, caprichos, manias, individualidades, tudo que deveria acontecer de maneira privada é forçosa e violentamente (como nao há alternativa, pois nao há infra-estrutura) compartilhado, esmiuçado, tornado público. No país do grande sucesso do BigBrother, que assim visto funciona como uma celebracao dupla do cotidiano nacional, um vizinho resolveu mandar o outro pro paredao: ele só nao percebeu que naquela noite mais de um poderia ser eliminado pelo público.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

à mesa com a diplomacia brasileira

Na Europa Central todas - todas mesmo - as pessoas usam o garfo na mao esquerda e a faca na mao direita; em um simples almoco familiar, onde so estejam pai, mae e os filhos, ou em um simples almoco cotidiano de colegas de trabalho, ninguem inicia a refeicao antes de todos terem seus pratos diante de si, sentados à mesa, e o mesmo vale para a bebida, no mais simples barzinho: quem está à mesa aguarda que todos tenham sido servidos para poder comecar a beber. Logo percebi que neste momento, as pessoas estao nao so respeitando o outro, como através disso, celebrando o ato de estarem juntas, ali naquele momento reunidas. Sao regras sociais comunissimas, nao estou descrevendo nenhum cerimonial para jantares com a rainha da Inglaterra.
No Brasil, há outras regras, ou eu me arrisco a dizer que nao há uma nocao de regras tao claras para isso: qualquer um que frequente a praca de alimentacao em um shopping da antiga classe média (nao falo da nova classe média) vai poder observar que provavelmente a maioria das pessoas come com o garfo à mao direita; mesmo em um jantar para convidados nao tao proximos, nao há um momento claro do servir-se, e ninguem espera muito o outro para comecar a comer, alem do que, muitas vezes nem há lugar à mesa para todos os convidados (o que fica entendido como espontaneidade de sentar ao sofá com o prato apoiado nas pernas); as pessoas brindam seus tin-tins, mas muitos já beberam o primeiro ou o segundo gole ao fazerem. Aqui vale um individualismo sem fim, que so desaparece na hora da conta: ali há sempre a chance de algum Gerson ter seu uisque pago por quem só bebeu água mineral a noite toda. Estes sao, assim por dizer, comportamentos comunissimos no Brasil.
O comportamento da diplomacia brasileira nos ultimos anos no cenário internacional é o de quem está presente num jantar formal, mas se comporta como se estivesse no churrasco da laje em um domingo de futebol. Para cada um há um código de comportamentos, e há de ser esperto para observar e aprender como as pessoas se comportam em cada situacao. Mas no fundo é assim: o garfo e a faca, quando elaborados em design e comportamento através dos tempos, foram consolidados para serem usados respectivamente para a mao esquerda e para a direita. Voce pode discordar, mas há que apresentar algo melhor. Nao da para ficar sendo filmado de paletó aberto todo o tempo, com a cara de esbaforido, em gestos patéticos de celebracao que só sao compreendidos no Brasil. Pega leve, Brasil, preste atencao no guardanapo.

terça-feira, 18 de maio de 2010

muito tarde para sambar

Fazia muito tempo, já antes das férias de natal, que estávamos ensaiando às tercas-feiras. Por isso, nao tinha idéia que o horário do Samba da Gamboa tinha sido alterado para as 23 horas, o que constatei faz exatamente 45 minutos (esta semana ensaiamos na segunda e amanha, quarta). Ficou tarde demais para o programa de Diogo Nogueira, uma pena. Mas pelo visto, em época de eleicoes, futebol é mesmo o que há, nem o samba consegue competir. Um programa sem baixaria, sem tiro e assassinato, sem falar mal dos outros, sem putas ou crentes, nao tem mesmo lugar na TV brasileira em 2010.

jejum encerrado

A última vez que eu havia ido ao cinema ainda era dezembro... neste fim-de-semana fui duas vezes: no sábado assisti ao filme de Tom Ford, com o impronunciável e impossível de ser escrito título de novela da seis com Lauro Corona e Glória Pires, que resolveram aplicar ao filme aqui no Brasil. No domingo, assisti a um outro caso de título absurdo em terras brasileiras, o filme israelense que se chama originalmente eye wide open e trata de um amor homossexual na comunidade ortodoxa de Jerusalém. Queríamos ir ao teatro, mas a peca foi cancelada (Breno ainda reclama). O filme de Israel é super classico, com aquele formato de filme em lingua estrangeira para concorrer ao oscar, com uma narrativa muito conservadora. Destaque para o tratamento da imagem sem sombra, o que nao deixa de gerar um estanhamento interessante, e para a insercao dramática da sombra. O tema é tratado da maneira mais pesada possível, e no fim a única mensagem que o filme traz é que religiao nao faz bem a ninguém. Achei pouca coisa para um filme. Mas os atores eram bons.
Já o de Tom Ford me fez sair da sala do cimena pensando: wenn ich eine Frau wäre, dann würde ich gern Julianne Moore sein. Sonia Dias me perdoe. Mas Tom Ford a fotografa assim como Almodovar o fez com Penélope Cruz no seu último filme: esta é a grande razao de elas estarem em cena. Só que Julianne Moore nao precisa de comentários e nem de fotografia. Aliás, o filme tem uma sequencia explícita de homenagem a Almodovar (a citacao de Todo sobre mi madre abrindo para a entrada de um personagem vindo de Madrid para Los Angeles), mas Celsinho me disse que o filme inteiro é sobre Almodovar. Concordei.
Gostei do filme, embora eu tivesse ficado com uma ligeira sensacao de que a ideia de filmar este texto e o filme propriamente dito estariam mais adequados há uns dez anos atrás. Colin Firth tem uma atuacao brilhante, um carro lindo e uma casa fantástica. Radiohead citado também. E muito band-aid (isto eu nao entendi exatamente, aceitei como fetiche). Um filme a ser visto, um programa bom para o sábado chuvoso que foi. Depois cortei o cabelo.