sábado, 30 de janeiro de 2010

do carnaval de salvador, vampire weekend's contra e jussara silveira

Acompanhando o twitter nos últimos dias, alguém poderia ter a impressão de que o novo disco do Vampire Weekend veio para salvar o moribundo carnaval da Bahia. Até que Salvador poderia transformar uma das canções do disco em um hit local, aproveitando todo o hype em torno de Contra, mas para isso falta público (mesmo considerando o trio das bandas de rock).
Desde que escutei Cousins pela primeira vez, na MTV, escutei as guitarras e a energia de Chuva, Suor e Cerveja. California English e Holiday completam a trilogia das canções nas quais quem tem mais de trinta anos e é brasileiro ouve reverberar as músicas de carnaval do início dos anos 70 da Bahia, guitarra baiana enfim. Para mim também tem muita coisa no disco das steelbands de Trinidad e Tobago. Na imprensa internacional fala-se de Paul Simon e música africana. O famoso “disco de Paul Simon” já é longe – no tempo – demais, a última referência conhecida de quem hoje escreve nas revistas (de propósito ou não). Eu continuo achando que nem só Devendra Banhart ouviu aqueles discos de Caetano ao redor de 1970.
O som do VW é muito bom mesmo, referências pra lá ou pra cá. Quando escutei as canções do primeiro disco da banda, há mais de um ano, o VW me impressionou como a última vez apenas o Radiohead com OK Computer tinha me impressionado: fazer uma música que eu achava muito boa apesar de me fazer lembrar o som de uma banda que eu detesto: no caso do Radiohead, Pink Floyd, no caso do primeiro disco do VW, Paralamas do Sucesso. Sim, até hoje a minha única referência absoluta, medida para tudo, em termos musicais são The Smiths.
Mas o que eu acho mais divertido em Contra são as canções Run e Diplomat’s Son, com um quê de lambada do Pará e música brega mesmo. Para mim é uma confirmação da chance perdida de Jussara Silveira depois do disco Jussara, de 2000. Quando ouvi aquele disco já pela primeira vez, achei que o próximo disco dela deveria ser um só com lambadas, pegando a esteira da gravação de Rainha de Lá, ponto alto do disco, onde a voz dela ficou ótima em uma canção para cima e para dançar. Mas não, ela resolveu continuar com música séria demais. Tomara que ela ouça Run, de Contra. Ficaria ótima na voz dela!

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

sobre o ser caipira

Estive em Londres já faz algum tempo, marcamos eu e Ana de Lourdes uma visita a Anete e Paeta em um fim-de-semana de fevereiro. Eu saí de Viena, ela, de Barcelona, e como chegamos em aeroportos diferentes praticamente na mesma hora, Anete combinou de ir ao aeroporto receber Ana e em seguida ir até a estação de Waterloo no centro de Londres para me encontrar. Ao descer do trem sozinho em Waterloo, recém-inaugurada com sua cobertura high-tech assimétrica, tive a grata surpresa de ver escrito não somente em inglês, mas também em francês e alemão a indicação de saída. Não que eu não conhecesse a palavra Exit, mas para quem estava naquele momento aprendendo alemão, ler (e entender) Ausgang na placa de informação era como uma pequena confirmação positiva do árduo aprendizado da língua.
Eu não contava com isso, porque intuitivamente achava que se em algum lugar as pessoas não se preocupassem com informação pública em outras línguas, então este lugar seria ou a Inglaterra ou os Estados Unidos. Ainda era a primeira metade dos anos 90 e ninguém pensava nem em sonho em aprender mandarim considerando-a como a língua franca de um futuro próximo e para mim era um primeiro aprendizado de quão cosmopolita uma cidade pode ser (eu ainda estava começando a conhecer a Europa).
Nas ruas de Londres me senti em casa: o número de negros me fazia lembrar Salvador, afinal naquele momento provavelmente não viviam mais do que 5 ou 10 negros em toda Viena (algo que mudou muito nos últimos anos). Mas, mais do que isso, aos meus olhos Londres transpirava aquilo que faz da cidade o centro da cultura pop em música, arte, moda, ao menos desde os anos 60: abertura, comunicação, diferenças. Foram só alguns dias, e é claro que Anete havia elaborado uma programação ótima, e Londres confirmava para mim uma série de expectativas positivas (outras não, como o metrô).
Alguns anos mais tarde, no final do verão chegava à Catalunha de bicicleta, vindo da França. A paisagem no lado espanhol era seca e as únicas folhas verdes eram dos olivais, cuja cor quase prateada faz lembrar, naquele calor todo, o sertão. Além da cor da paisagem, era notável também a diferença de padrão material de vida entre o interior da França e o da Espanha, algo que hoje, mais de dez anos depois, já deve ter diminuído. Os pequenos povoados, de arquitetura histórica emocionante não deixavam esconder uma certa tristeza no ar, que diminuía à medida que a costa se aproxima.
Antes da costa, a primeira cidade de porte médio em que estivemos foi Lérida. Chegamos na hora estendida do almoço espanhol e não havia ninguém no posto de informação turística. E esta foi praticamente a única informação que se podia obter ali: tudo ali, tudo mesmo, estava escrito em catalão, uma língua na qual mesmo os nomes dos dias da semana não têm muita semelhança com português ou espanhol. E assim era o resto da cidade.
Barcelona deixou a impressão de viver sob o mesmo lema, apenas um tanto disfarçado pelo tamanho da cidade e pelo número de turistas. Provavelmente o turismo colabora muito para certo grau de caipirice, até mesmo um ressurgimento da mesma, algo que acontece com uma intensidade inversamente proporcional ao tamanho das cidades. O fenômeno da extrema-direita européia também pode ser lido como algo bem jeca: com toda a projeção internacional que teve, Haider sempre permaneceu um político de província. E é possível até mesmo interpretar as obras das Olimpíadas de 92 em Barcelona e o Guggenheim em Bilbao como esforços contra esta noção caipira que está no centro do pensamento de quem é orgulhoso demais de suas origens e o lugar onde nasceu: tem coisa pior do que aquele adesivo nos carros “Orgulho de ser nordestino”? Este orgulho exagerado parece ser quase sempre uma expressão de inferioridade interiorizada.
Em Barcelona presenciei catalães que conversavam conosco em espanhol, mas que se dirigiam aos garçons, andaluzes, em catalão, para demonstrar hierarquia e dificultar a comunicação. Um dos lemas mais famosos da extrema-direita para uma eleição em Viena era “Viena não pode virar Chicago!”: ao proclamarem isso, Viena se aproximava provavelmente de Belgrado ou Zagreb. Mas até hoje a cidade resiste, consciente de sua história de grande metrópole de um império passado, sim, cosmopolita. A Áustria já é outra história.
“Só se vê na Bahia” é outro irmão desses slogans propagandísticos: ao escutá-lo penso na taxa de desemprego, nos índices de violência, no ausente sistema de transporte público, como muita gente deve fazê-lo. Nos últimos 30 anos Salvador vem se esforçando em virar Feira de Santana do litoral. Logo será Jequié ou Barreiras a meta a ser cumprida: ao menos tão quente quanto!
Ser caipira envolve esta condição de achar que não é necessário olhar para além do vale dos Alpes onde se nasceu, de achar que o mundo inteiro tem que falar catalão para se comunicar com a Catalunha, de achar que a Bahia é o melhor lugar do mundo sem nunca ter saído dela. Uma certa falta de generosidade.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

barbearia em Viena

anteontem fui cortar o cabelo, na barbearia do turco onde sempre corto o cabelo aqui em Viena. Como ja escrevi aqui antes, barbearia em Viena só se for de turcos. Algumas portas antes, uma nova barbearia, mais moderna, com cadeiras e iluminacao novas, parecia anunciar o pouco movimento que encontrei em seguida. O turco terminava o servico de um cliente, turco, como a esmagadora maioria de sua clientela, e eu era o proximo. Durante todo o tempo em que estive na cadeira cortando o cabelo, nao chegou nenhum outro cliente. O servico como sempre completo, com direito a isqueiro para queimar os fios de cabelos indesejaveis na orelha. Mas depois do corte, como nao havia ninguem, ele me convidou para tomar um cha e veio com a ladainha religiosa de sempre. Este homem está obcedado por religiao e acredita, como toda esta gente sem formacao destes países islamicos, que a religiao deles e superior a dos outros. Como ele tinha tempo, desta vez ate desenhou um diagrama para explicar estas idéias. Fui paciente como nunca. O alemao dele é tao ruim, que nem dá para ter qualquer discussao, ainda mais sobre religiao.
Poderia ter dito a ele que li no Natal o livro de Henryk M. Broder, Kritik der reinen Toleranz (Crítica da tolerância pura), onde o autor descreve como a Europa - e por tabela a civilizacao ocidental - vai se entregando atraves da tolerância ao poder do islamismo. É um livro interessante, mas que seria muito melhor se Diogo Mainardi o tivesse escrito, por razoes estilísticas. O argumento final do livro é exatamente o que eu sempre disse e denfendi, só que nao contra os islamistas, senao contra os evangélicos (e por isso o livro, lido a partir da perspectiva brasileira, nao se sustenta tanto contra o islamismo, pois o mesmo problema no Brasil é com os autoproclamados "cristaos"): toda essa gente que se utiliza de argumentos ditos divinos para regular a vida entre as pessoas deveria viver sem energia elétrica, aviao, celular, televisao, computador, e, para mim o mais importante, sem vacinas. E isto também já comentei aqui.
No fundo, quanto mais penso nisso, mais acho que esta é uma questao de base essencialmente marxista: os turcos na Alemanha e na Austria ou as empregadas domesticas e porteiros no Brasil sao os pobres sem educacao (vindos da Anatólia ou do sertao nordestino), sem emprego, sem perspectiva. O discurso religioso que eles repetem é o triunfo da sua manipulacao: Ahmadinejad é o grande símbolo disso tudo: no poder (apenas simbolicamente) e com a aparência de um taxista, vomitando ódio e intolerância para todos os lados. O problema é que somente a base é marxista. O discurso na cabeca dessa gente é que é difícil de desmontar. Ontem na TV alema foi exibida uma longa reportagem sobre uma mulher no Afeganistao que luta em defesa dos direitos das mulheres contra os talibans. Ela nunca dorme no mesmo lugar duas noites seguidas, assassinaram o marido dela. Ontem a tarde, no transporte público em um bairro menos classe média aqui em Viena, vi várias turcas com o famigerado véu na cabeca.
Isso aqui é política aberta, guiada para o pior caminho possível. No Brasil é política de um só lado: nossa tolerância é maior nao por generosidade ou compaixao, senao por displicência. Do jeito que a coisa vai, antes da sharia ser implantada na Inglaterra, o Brasil já vai ter deixado de ser um país laico.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

de madrugada

no momento mais frio desta madrugada fez -27,6°C na Áustria. O resultado foi um dia de sol lindo, bom para fotografar, péssimo para passar mais do que meia hora na rua. É claro que fui fotografar. O frio era tanto que, mesmo com as horas de sol limitadas, as baterias da máquina fotográfica se esvaziaram mais do que depressa. Nunca tinha visto isso. Nos próximos dias postarei algumas das fotos de hoje no flickr.

sábado, 23 de janeiro de 2010

das weisse band

Demorei, mas enfim assisti a Das weisse Band, o filme de Haneke que vem ganhando merecidamente os prêmios todos desde Cannes. A Fita Branca é de uma fotografia primorosa (esquecam até mesmo a abertura de O anticristo), preto e branco magistralmente utilizado. A Fita Branca é um filme sobre duas geracoes distintas de mulheres, sobre a mudanca (monstruosa) das mulheres entre uma geracao e outra, e é obivamente um filme sobre a monstruosidade do masculino.
O mestre do suspense, da conducao do tempo, da direcao de atores, da investigacao daquilo que sempre almeja permanecer recalcado.
Das weisse Band é, especialmente, um monumental manifesto contra as religioes e o autoritarismo.
Atores impecáveis, cenografia excelente, como nao seria diferente.
Haneke com tudo o que faz da sua obra o que ela é.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

tempo invertido

de volta a Viena hoje, depois de alguns dias em Traunstein. Por lá, a neve derretendo, mas a partir de Linz muita neve nova, aqui em Viena está tudo branco de novo. A paisagem desde o trem já anunciava chegar este período de muito frio que quase sempre vem em finais de janeiro. Nada mais distante da Bahia.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

premiado!

O site Plataforma Arquitectura escolheu uma foto que fiz como uma das melhores do mês!
Para conferir:
http://www.plataformaarquitectura.cl/2010/01/06/lo-mejor-de-flickr-en-plataforma-arquitectura-diciembre-2009/

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

para que nao fiquem dúvidas: Haneke é austríaco!

Nunca havia tomado partido na briga caetano veloso X folha de sao paulo (nunca vi necessidade para tal). Sem necessariamente ser a favor de caetano, agora sou contra a Folha. Motivo: lendo uma reportagem sobre a indicacao ou nao do filme de Almodovar para ser representante da Espanha na disputa pelo Oscar, percebi que Michael Haneke, Palma de Ouro em 2009 no festival de Cannes, estava apresentado como diretor alemao. Nao só ali, senao em todas as outras reportagens sobre o filme do diretor austríaco, A fita branca.
Daí que escrevi um daqueles emails de leitores que querem colaborar e recebi uma resposta curta e grossa: "Haneke é alemao". Enviei outro email, com links para jornais alemaes onde aparece escrito "o diretor austríaco Michael Haneke.....", mas de nada adiantou, e nem resposta recebi. Provavelmente ninguém na redacao da (nao tao) Ilustrada lê alemao, é a única coisa que posso deduzir.
Chamar Haneke de alemao é o mesmo de chamar Lúcio Costa de francês por ele ter nascido na Franca, ou Ricardo Boechat, de argentino. Explico: Haneke nasceu em Munique de pai alemao (que ele mal conheceu) e de mae austríaca. Toda a sua infancia e sua juventude ele viveu na Áustria, país do qual ele possue um passaporte.
Mas nada disso precisaria ser dito ou escrito: para quem fala alemao, basta escutar uma única frase em uma entrevista qualquer de Haneke para perceber que ele só pode ser austríaco. Denominá-lo alemao é nesse caso o equivalente de querer afirmar que pessoas como Daniela Mercury ou Ivete Sangalo, com seu super sotaque baiano, seriam portuguesas ou gaúchas. Só mesmo quem nao conhece nada.......