sexta-feira, 27 de agosto de 2010

mudando um pouco a percepção

até agora entendia a história da Professora de Piano, filmada por Haneke, escrita por Jelinek (ao escrever isso fico assombrado com a cultura austríaca contemporânea, o úlitmo encontro deste quilate no Brasil deve ter sido na época de Jobim e Vinicius, Niemeyer e Costa) como uma história particular que tem a Áustria como um lugar que garante a sua verossimilhança. Mas esta semana algo me fez senti-la mais como um comentário social, assim como uma parábola, um pequeno quase ensaio antropológico, não mais sobre a Áustria, mas sobre a cultura ocidental decadente debatendo-se com os limites de sua reprodução para a perpetuação. Viajei, talvez, mas a história é boa exatamente por isso.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

arquitetura e urbanismo

a arquitetura de salvador é bem medíocre (sem grandes lances, tudo muito controlado); o urbanismo nesta cidade é quase inexistente, assim residual; discordo da idéia de que a pobreza urbanística local é decorrente da arquitetura; acima de tudo a experiência do usuário da cidade indica que a incompetência urbana da capital da Bahia é autônoma; a arquitetura é conivente muitas vezes e outras tantas exacerba esta condicao de cidade incompetente, mas nao é por ela responsável; daí que nao vejo porque a arquitetura (o projeto de arquitetura) ter que se reportar todo o tempo a esta condicao urbana, de incompetencia inconteste; é a cidade - em especial sua dimensao nao espacial - quem sufoca a sua arquitetura em Salvador; a arquitetura que a ela se reporte, que para ela seja construída, que tente surgir a partir dela, está fadada à mediocridade; a cidade incompetente em ser cidade nao é instância válida de qualquer condicao de origem;  independencia e autonomia é apenas o que resta à arquitetura.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

pre-visoes geometricas (recolhendo o registro feito no twitter, com data e horário)

logo mais no grande trapézio deve ser confirmado que A+B é igual a A+B
logo mais o quadrado vira círculo para tornar a ser quadrado em seguida
do quadrado ao circulo e ao triangulo talvez antes de voltar a ser quadrado: tudo na rua velha
e na rua nova o triangulo vira trapezio (ou pode virar) tudo indo e vindo I.P.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

alguém finalmente falou

Sim, sao as eleicoes, e provavelmente somente por isso o assunto volta à tona (eu nao sei se isso é positivo ou negativo, sei que é triste). Ainda morre gente de meningite tipo C na Bahia, em especial em Salvador. É aquela mesma meningite cuja vacina o governo do Estado precisou de meses para comprar e distribuir, período no qual morreram dezenas de pessoas na cidade e em nenhum dia deixou de ser exibida propaganda do governo na TV.
Mas hoje no noticiário nacional da Bandeirantes uma médica do Hospital Couto Maia fez um comentário importante que ninguém ousa fazer: ela nao usou a palavra, mas o que ela quis dizer é que a densidade populacional absurda de Salvador associada à precariedade das condicoes habitacionais e de infra-estrutura é a responsável pelo alto número de casos de meningite. É a cidade em sua atual configuracao que está matando os seus cidadaos. Será que finalmente a Bahia chegará ao século XIX?

domingo, 15 de agosto de 2010

leite de chernobyl ou Obama toma um banho de mar

Algumas semanas depois do acidente de 26 de abril de 1986, chegaram aos supermercados no Brasil (ao menos na Bahia, e nao foi pouco) estoques consideráveis de leite em pó belga ou holandês, muito mais barato do que o nacional. O sabor era ligeiramente estranho, algo meio salgado, como leite em pó desnatado. Era uma época onde nada, nada importado - a nao ser uísque paraguaio - tinha alguma condicao de ser mais barato do que o equivalente nacional, muito menos leite, no país com o maior rebanho bovino do mundo. O povo nao demorou a saber que se tratava de leite de Chernobyl - algo veementemente desmentido pelos políticos de entao. Muito antes dos tempos do governo distribuir dinheiro para os pobres, a solucao popular foi a de alterar o ditado antigo que dizia "o que nao mata, engorda", para "o que nao mata imediatamente, engorda", afinal os níveis de radiacao na Europa do Norte nao foram os mesmos da Ucrânia.
Hoje pela manha abri a página dos jornais na internet e dei de cara com a foto de Obama ao lado da filha tomando banho nas águas do golfo do México, e já fiquei de mau humor para o resto do dia. Nao quero nem imaginar a química que os dois devem ter passado na pele antes e depois da sessao de fotos, e talvez mesmo a que tiveram que ingerir, para que depois nao venha a surgir nenhuma dúvida na opiniao pública de que o banho no Golfo do México é o mais saudável que existe. Os políticos populistas nao conhecem limites: quando Obama esteve pela quarta vez sobrevoando e caminhando pelo Golfo do México, eu fiz um comentário no twitter - que eu achava ser irônico - sobre a possibilidade de ele talvez estar procurando um lugar para passar as férias. Agora tenho que constatar que era verdade, como pude ser tao ingênuo.
O banho de Obama nas águas do Golfo do México é o equivalente de um político brasileiro que tenha tomado um copo de leite de Chernobyl na frente das câmeras para dizer que nao tinha problema algum com o "leite importado da Europa". E depois correr para o banheiro para vomitar tudo. Um dos piores aspectos da política é o populismo, a entrega descarada aos meios de informacao, a justificativa de que tudo o que se faz é feito porque assim o quer a maioria, e a celebracao deste cinismo. Nada, absolutamente nada é efetivamente sério para uma pessoa que faz algo assim. O banho de Obama faz o desastre ecológico ainda mais desastrado. O Havaí e o Haiti nao sao ali.
Ainda nao vi político brasileiro fazendo cirurgia pelo SUS, nem  indo morar na favela apaziguada, nem usando diariamente transporte público (isso eles fazem um dia na época de campanha; logo, logo veremos os suvacos suados na TV). Banho de mar no Golfo do México é moleza, hein senhores e senhoras candidatos?

sábado, 14 de agosto de 2010

o pátio sem árvores

Um temporal passou por Viena ontem à noite, inundou a cidade, fez parar o sistema público de transporte, fechou o aeroporto e levou a árvore do pátio. Hoje pela manha os bombeiros estavam removendo-a. Faz alguns anos um outro temporal já havia levado a outra árvore, que era menor e nao tao bonita, mas que já deixara um vazio considerável.
Mas a perda desta que sucumbiu ontem à noite é ainda maior: com suas flores lilases em forma de sinos, ela havia sido plantada quando do nascimento do dono da casa - que faleceu há alguns anos - e isso amplia o vazio espacial que o pátio agora deve ter. As casas vizinhas devem estar estranhamente mais próximas. Os pássaros nao vao mais passar por ali. E nao há tempo para que outra árvore chegue até o terceiro andar. A falta que faz já é enorme.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

salvador do alto em uma tarde de sol

Sábado final da tarde, o aviao faz aquela volta completa passando por cima do porto de aratu indo até o meio da baía para, dobrando à esquerda, sobrevoar a cidade a partir do forte de Monte Serrat. A luz por volta das 16 horas de uma tarde de inverno era incrível, dava para ver todos os detalhes da cidade. Mas ela nem era necessária para ter a confirmacao, a partir desta vista do alto, daquilo que era já evidente nas pecas publicitárias do maior lancamento imobiliário dos últimos anos cujo nome é composto de 2 palavrinhas em francês: agora que os edifícios na Avenida Paralela chegaram à sua altura final e que a massa construída total é claramente visível, o Parque Júlio César na Pituba definitivamente pode se intitular condomínio de luxo!

sábado, 7 de agosto de 2010

meu deus, lisboa!, ou um coletivo pós-freudiano

Passar por Lisboa a caminho do Brasil é sempre o mesmo: gente grossa, chateacoes, filas estúpidas, atrasos, ainda mais com o aeroporto em obras. Hoje aquilo lá era um caos, gente demais para a capacidade física das instalacoes, um horror de aperto e fila. Deu até para um medo quanto à seguranca geral daquilo tudo. Mas o que fica, cada vaz mais nítida, é a vontade de nunca ter sabido aquilo que Freud transformou em conhecimento operacional, é aquela sensacao meio nostálgica de uma imensa frustracao de que algum dia a coletividade no Brasil venha a ter um cotidiano minimamente agradável. Porque filho de peixe, caranguejo nao é.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

hair tatoo ou histórias de bicicleta

Já estava tudo fechado em Spittal an der Drau, no primeiro dia da viagem, passeando pela cidade só restava ver vitrine (a escola técnica de arquitetura era, além do bipa, a única porta aberta, e lá havia uma exposicao muito boa com os trabalhos dos estudantes). Pois bem, na vittrine de um salao de beleza eles anunciavam o hair tatoo, com várias fotos: sao padroes tipo oncinha ou cauda de pavao, mas que podem ter cores diferentes, que sao aplicados assim em uma mecha do cabelo. Hilariantemente deprimente, o supra sumo da breguice. De alguma maneira, pelas pessoas na rua ali, esta oferta do salao fazia sentido, alinhava-se com uma certa tendência local em cortes e cores de cabelo. E agora há pouco passou na tv uma alema com hair tatoo, fiquei com medo. Tomara que isso nao chegue na Bahia.