A favela como a conhecemos hoje é um dos melhores exemplos, se não o melhor, do capitalismo tornado espaço: ali onde o Estado nada regula, onde o Estado surge depois para cobrar impostos e taxas de serviços, apenas para oficializar a ausência do Estado, o espaço disponível é completamente privatizado (usado para habitação unifamiliar - mesmo que esta família cresça e a casa se divida entre os seus membros, permanece a noção de unifamiliar - , que vem a ser o que há de mais privado, ou para comércio) e o que é de uso comum é somente o mínimo destinado à circulação física de pessoas.
No espaço sem lei, prevalece a lei que transforma todo o espaço em mercado, não há vazio para jardim, não há vazio para praça, não há chance nem para o mínimo contato com o exterior, aquilo que se situa já fora dos limites do que é estritamente privado: janela é luxo!
Favela como espaço é expressão do capitalismo livre de qualquer noção do outro como respeitável, é o tornar realidade espacial do vazio completo das noçoes regulatórias da sociedade, do coletivo, do que é comum, que em termos espaciais tradicionalmente se chamam urbanismo. Favela é o modelo ideal para quem vive de especulação imobiliária oficializada. Favela é a expressão máxima do individualismo ferrenho, que por sua vez é a noção mais sintética que define a sociedade brasileira.
Por isso, diante dos acontecimentos nos últimos dias no Rio de Janeiro:
Vento, luz e árovre, favela, não!
Wind, Licht und Baum, kein Favela!
To be continued.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
terça-feira, 23 de novembro de 2010
a morte de JCC, o menino que morava na propaganda do governo da bahia
Os arrastoes no Rio, o assassinato bárbaro das duas adolescentes em Salvador e as circunstâncias da morte do menino Joel da Conceição Castro parecem mostrar como a vida real do Brasil estava reprimida nos últimos três meses por causa das eleiçoes e que agora a sociedade brasileira volta ao seu normal.
Na Bahia, onde os gastos com publicidade nos últimos quatro anos foram tão absurdos que fizeram o governo anterior, de ACM, parecer tímido em matéria de auto-promoção, o governo estadual, como todos sabemos, nao deixou dia algum desprovido de comercial no horário nobre da TV, mesmo em um período de vários meses durante o qual crianças, adolescentes e adultos morriam de meningite em Salvador sem ter acesso a vacina.
O menino Joel, que ontem morreu atingido por balas disparadas de um revólver pertencente ao Estado da Bahia e nao foi socorrido por servidores do Estado da Bahia, havia sido usado para a propaganda do governo da Bahia, para mostrar aquela Bahia fictícia onde todo mundo quer morar: http://www.youtube.com/watch?v=65DK7Jqo7HM&feature=player_embedded
A diferença para a morte de Daniela Perez, onde ficção e realidade pareciam se confundir em um dos assassinatos mais famosos do Brasil, é que a novela é ficção pura enquanto que o governo da Bahia vem tentando tratar a vida das pessoas como ficção ao fazer a população crer que aquelas panorâmicas de helicóptero são o seu cotidiano (quantos baianos além de políticos já fizeram um vôo de helicóptero?): não adianta pôr o menino em um comercialzinho mentiroso a serviço da perpetuação do status quo político, porque a vida real, aquela que só não vale para os políticos - e por isso foi tão bom saber que, numa fantástica exceção, o prédio onde mora o presidente da república foi assaltado -, a vida real vem e toma o menino para baixo da terra. Da ficção publicitária para a morte, este é o curto circuito da realidade social, senhores políticos. O horror é saber que os próximos quatro anos ainda nem começaram. E que os gastos com publicidade só devem aumentar.
Na Bahia, onde os gastos com publicidade nos últimos quatro anos foram tão absurdos que fizeram o governo anterior, de ACM, parecer tímido em matéria de auto-promoção, o governo estadual, como todos sabemos, nao deixou dia algum desprovido de comercial no horário nobre da TV, mesmo em um período de vários meses durante o qual crianças, adolescentes e adultos morriam de meningite em Salvador sem ter acesso a vacina.
O menino Joel, que ontem morreu atingido por balas disparadas de um revólver pertencente ao Estado da Bahia e nao foi socorrido por servidores do Estado da Bahia, havia sido usado para a propaganda do governo da Bahia, para mostrar aquela Bahia fictícia onde todo mundo quer morar: http://www.youtube.com/watch?v=65DK7Jqo7HM&feature=player_embedded
A diferença para a morte de Daniela Perez, onde ficção e realidade pareciam se confundir em um dos assassinatos mais famosos do Brasil, é que a novela é ficção pura enquanto que o governo da Bahia vem tentando tratar a vida das pessoas como ficção ao fazer a população crer que aquelas panorâmicas de helicóptero são o seu cotidiano (quantos baianos além de políticos já fizeram um vôo de helicóptero?): não adianta pôr o menino em um comercialzinho mentiroso a serviço da perpetuação do status quo político, porque a vida real, aquela que só não vale para os políticos - e por isso foi tão bom saber que, numa fantástica exceção, o prédio onde mora o presidente da república foi assaltado -, a vida real vem e toma o menino para baixo da terra. Da ficção publicitária para a morte, este é o curto circuito da realidade social, senhores políticos. O horror é saber que os próximos quatro anos ainda nem começaram. E que os gastos com publicidade só devem aumentar.
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quinta-feira, 18 de novembro de 2010
we all dance the rumba (in rio vermelho)
Caros, talvez vocês já saibam do que se trata, e vão entender que estou aqui para registrar: ontem à noite os moradores do Rio Vermelho tiveram mais uma experiência de vida caribenha à noite, desta vez foram cerca de 3 horas sem energia elétrica. Ainda não perguntei aos cubanos que conheço se três horas definem un apagón ou un apaguito, assim que o souber, comunicarei a todos. Enquanto isso, os moradores do Rio Vermelho vão vivendo sua vida de Sr.K, entregue a um monopólio sem fim. Hasta el próximo!
terça-feira, 16 de novembro de 2010
final de primavera
De novo habitam sem as mínimas condiçoes vários sem-teto a calçada ao redor das áreas arborizadas, fios e cabos e as ruas continuam aniquilando a arquitetura ao seu redor (em um dos poucos espaços onde poderia haver desfrute de arquitetura), mas quem passa estes dias pela praça da piedade, tentando abstrair isso tudo, pode ter um grande prazer em ver as árvores completamente cobertas de flores. É por pouco tempo.
domingo, 14 de novembro de 2010
o video dos jovenzinhos ou geração milenio
Esta semana recebi via twitter e facebook, por inidicação de diferentes contatos, o link para um vídeo feito por uma empresa de pesquisa e propaganda sobre o perfil da geração milênio, ou globalizada, aquela cuja socialização já aconteceu via internet. O título é we all want to be young.
Super bem editado, com recursos gráficos interessantes (de acordo com a última moda) e imagens bem sedutoras (não seria diferente) ao jeito de um video clip norte-americano dos anos 90. A teoria porém é um tanto estranha: segundo o vídeo, depois da segunda guerra mundial, há uma mudança no mundo com as primeiras geraçoes de jovens que determinaram os rumos da humanidade: a geração do baby boom (nascidos no pós-guerra), a geração X e a nova, a do milênio, de poder aquisitivo maior à medida da passagem do tempo.
Diferenças comportamentais são apresentadas e de alguma maneira é celebrada positivamente uma suposta globalização de comportamentos via conexão total de informaçoes.
No fundo, é mais uma daquelas explicaçoes de movimentos sociais da parte rica do mundo, dos quais as classes altas e médias do resto do mundo de alguma maneira fazem parte, pecando sempre pela generalização.
Mas o que é chato é a inclusão de uma "perspectiva histórica" fortemente achatada, quebrada por espelhos, rasa, ou seja, quase plana.
Dois exemplos seriam suficientes para mostrar a fraqueza da hipótese do vídeo: os poetas românticos que morreram aos 25 anos de idade e a juventude hitlerista, motor fundamental para a ascensão e manutenção no poder do monstro nazista. E tantos outros desde finais do século XVIII. Faz muito mais tempo que os jovens dão o tom.
Mas além disso minha experiência indica outra coisa: como professor pertencente à geração X, me sinto ao menos tão conectado às redes como meus estudantes geração milênio. Sim, porque a questão do vídeo é a tecnologia de informação e o acesso a ela (e mesmo na geração do baby boom a tecnologia já seria a questão determinante), e é óbvio que os jovens tenham uma vantagem de saída (que é uma vantagem essencialmente de linguagem, e por isso de comunicação). Mas o fato de todos nós querermos ser jovens não tem a ver com isso. E além disso nem todos querem ser jovens. Ando alérgico a qualquer noção de "todos", é isso.
Super bem editado, com recursos gráficos interessantes (de acordo com a última moda) e imagens bem sedutoras (não seria diferente) ao jeito de um video clip norte-americano dos anos 90. A teoria porém é um tanto estranha: segundo o vídeo, depois da segunda guerra mundial, há uma mudança no mundo com as primeiras geraçoes de jovens que determinaram os rumos da humanidade: a geração do baby boom (nascidos no pós-guerra), a geração X e a nova, a do milênio, de poder aquisitivo maior à medida da passagem do tempo.
Diferenças comportamentais são apresentadas e de alguma maneira é celebrada positivamente uma suposta globalização de comportamentos via conexão total de informaçoes.
No fundo, é mais uma daquelas explicaçoes de movimentos sociais da parte rica do mundo, dos quais as classes altas e médias do resto do mundo de alguma maneira fazem parte, pecando sempre pela generalização.
Mas o que é chato é a inclusão de uma "perspectiva histórica" fortemente achatada, quebrada por espelhos, rasa, ou seja, quase plana.
Dois exemplos seriam suficientes para mostrar a fraqueza da hipótese do vídeo: os poetas românticos que morreram aos 25 anos de idade e a juventude hitlerista, motor fundamental para a ascensão e manutenção no poder do monstro nazista. E tantos outros desde finais do século XVIII. Faz muito mais tempo que os jovens dão o tom.
Mas além disso minha experiência indica outra coisa: como professor pertencente à geração X, me sinto ao menos tão conectado às redes como meus estudantes geração milênio. Sim, porque a questão do vídeo é a tecnologia de informação e o acesso a ela (e mesmo na geração do baby boom a tecnologia já seria a questão determinante), e é óbvio que os jovens tenham uma vantagem de saída (que é uma vantagem essencialmente de linguagem, e por isso de comunicação). Mas o fato de todos nós querermos ser jovens não tem a ver com isso. E além disso nem todos querem ser jovens. Ando alérgico a qualquer noção de "todos", é isso.
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terça-feira, 9 de novembro de 2010
arquitetura e urbanismo, parte 02
Talvez a relação entre arquitetura e urbanismo seja aquela que melhor se presta como exemplo de que um conjunto é algo diferente da soma de seus elementos. E talvez esta sentença, se invertermos a ordem de seus termos com alguma adaptação gramatical, funcione tão bem quanto a original: a noção de que um conjunto é algo diferente da soma de seus elementos talvez tenha na relação entre a arquitetura e o urbanismo um dos seus exemplos mais potentes.
Para além de seus elementos e de uma maneira claramente autônoma, um conjunto é formado pelas relaçoes e/ou a ausência de relaçoes entre os elementos, pelas regras que definem o que pode vir a ser um elemento deste conjunto, pelos tipos de relaçoes estabelecidas e/ou rompidas, os intervalos e vazios, as noçoes de limites deste conjunto, seu potencial de inclusão de novos elementos e de exclusão de outros, e pelas relaçoes várias com outros conjuntos, entre tantos outros aspectos que ainda poderiam ser listados.
[neste momento os moderninhos de plantão negariam tudo isso com base em qualquer besteira filosófica francesa; sim eu conheço estas coisas e sei que elas não servem para quase nada, me deixem aqui com minhas imagens mais ou menos objetivas e de origens matemáticas bem simples]
É claro que a cidade - e com ela aquilo que seria o urbanismo - hoje se desfaz fisicamente e tende a anular as fronteiras suburbanas e rurais, mas é mais para fazer destas áreas fronteiriças um tanto mais urbanas e não para ruralizar seus núcleos historicamente reconhecíveis. Já a arquitetura - ou as decisoes de ordem arquitetônica - corresponde à autonomia apenas metaforicamente individual frente à dimensão de coletivo inevitável do urbanismo, mesmo este das novas densidades equilibradas entre antigos núcleos e áreas antes suburbanas.
Reflexão em progresso. [ah, os moderninhos odeiam qualquer coisa que esteja de alguma maneira relacionada ao termo progresso. Que posso fazer eu? Então em inglês: to be continued!]
Para além de seus elementos e de uma maneira claramente autônoma, um conjunto é formado pelas relaçoes e/ou a ausência de relaçoes entre os elementos, pelas regras que definem o que pode vir a ser um elemento deste conjunto, pelos tipos de relaçoes estabelecidas e/ou rompidas, os intervalos e vazios, as noçoes de limites deste conjunto, seu potencial de inclusão de novos elementos e de exclusão de outros, e pelas relaçoes várias com outros conjuntos, entre tantos outros aspectos que ainda poderiam ser listados.
[neste momento os moderninhos de plantão negariam tudo isso com base em qualquer besteira filosófica francesa; sim eu conheço estas coisas e sei que elas não servem para quase nada, me deixem aqui com minhas imagens mais ou menos objetivas e de origens matemáticas bem simples]
É claro que a cidade - e com ela aquilo que seria o urbanismo - hoje se desfaz fisicamente e tende a anular as fronteiras suburbanas e rurais, mas é mais para fazer destas áreas fronteiriças um tanto mais urbanas e não para ruralizar seus núcleos historicamente reconhecíveis. Já a arquitetura - ou as decisoes de ordem arquitetônica - corresponde à autonomia apenas metaforicamente individual frente à dimensão de coletivo inevitável do urbanismo, mesmo este das novas densidades equilibradas entre antigos núcleos e áreas antes suburbanas.
Reflexão em progresso. [ah, os moderninhos odeiam qualquer coisa que esteja de alguma maneira relacionada ao termo progresso. Que posso fazer eu? Então em inglês: to be continued!]
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segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Eu matei minha mãe, o filme
"And if you have five seconds to spare
Then I'll tell you the story of my life: |
Sixteen, clumsy and shy..."
the smiths
Esta noite fui assistir ao filme canadense "Eu matei minha mãe". Logo depois me veio à cabeça Half a Person, a canção dos versos acima. Ainda não sei exatamente qual a relação, mas quando eu conheci esta canção eu já não tinha mais dezesseis anos, a idade do personagem do filme, que tem o corte de cabelo exatamente igual ao de Morrissey das primeiras cançoes, daqueles clips onde ele entra no palco com um ramalhete no bolso traseiro da calça (esta deve ser a relação). Nem é preciso dizer que a história de Hubert é quase a vida filmada, a minha e de tantas outras pessoas (conheço pelo menos algumas).
O filme é excelente: a fotografia, a atuação dos atores (Xavier Dolan, que faz o papel de Hubert, é brilhante), os diálogos, o ritmo, a abertura, a trilha sonora, a luz, e uma precisa condução que não deixa nada virar sentimental ou desnecessário. Porque com este tema nada pode ser sentimental ou desnecessário.
Tomei uma rasteira com a cena da redação, Moreno se vir o filme vai saber porquê (mas Moreno só vê filme de ação....), Naia teve que me ouvir por quase duas horas depois do termos saído do cinema. O final do filme é tão bom, tão certo, tão potente sem sê-lo no momento, que é daquelas decisoes magistrais que um diretor toma poucas vezes na carreira.
Ainda nao dormi, minha mãe ainda se recupera do infarto que teve em fevereiro e o tempo é ainda o que nos resta e o que nunca é suficiente.
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