quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

pouco mais de 24 horas em Viena

De Traunstein a Viena de trem foi ontem, como muitas vezes no inverno, um percurso de muita neve a neve nenhuma. Paramos em Salzburgo, porque Christopher tinha esquecido a bolsa na casa de Anja na noite anterior e fomos encontrá-los no café Fingerlos. Por isso, passei ao lado do edifício na Humboldtstrasse, de cuja equipe de projeto fiz parte e que já está habitado! A substituição do material do guarda-corpo das varandas foi vantajosa. É muito legal ver o projeto pronto e habitado, embora os primeiros sinais de uso já estejam lá: provavelmente o caminhão do lixo quebrou o canto da parede no térreo, sobre o bicicletário. Pegamos um trem bem vazio e em St. Pölten entrou um húngaro, trabalhador da construção civil, que, mesmo arranhando apenas algumas palavras em alemão, nos contou que já trabalhou na Itália e na Espanha e que foi passado para trás nos dois países (patrão não pagou o salário), mas que o empregador austríaco era de primeira. Os europeus de leste são hoje na Europa os nordestinos dos anos 50 e 60 no sudeste do Brasil. Mas no meio da conversa deu ainda para dar uma espiadinha na árvore de Natal de Schönbrunn.
Em casa, email de Junior avisando que atrasarão em 24 horas a chegada a Viena. A Galeria (o mini-shopping aqui da rua) está todo reformado, fomos ao supermercado para as compras do jantar do dia 31.
Na academia hoje, a notícia triste de que o cara mais bem humorado e comunicativo entre os frequentadores assíduos se suicidou. Sempre nos referimos a ele como o Papai Noel, pela barba branca, o sorriso generoso e a barriguinha. Era fácil imaginá-lo vestido de Santa Klaus. Sempre falava da morte, mesmo que estivesse sorrindo quase todo o tempo. É, para finalizar 2010, a notícia do suicídio do Papai Noel da academia da Landstrasse. Triste. E faz muito frio.

domingo, 26 de dezembro de 2010

do verao ao inverno na noite de natal

a dengue me fez adiar meu vôo e viajar na noite do Natal: eu sabia que o avião estaria vazio (e muitos puderam dormir deitados na fila central) mas não contava com fauna tão esquisita, encabeçada pelos baratíssimos turistas italianos voltando para casa. Também havia famílias brasileiras que pareciam ter comprado pacotes mais baratos pela data, como no último episódio de A grande Família. Mas o avião estava vazio, ninguém chegou a incomodar ninguém.
Muita chuva e muio frio em Lisboa, a parte nova do aeroporto além de ser horrorosa não possui calefação, ali dentro fazia os mesmos 9 graus de lá fora, e o avião atrasou uma hora para sair em direção a Munique. Bem, Lisboa, como sempre.
O avião fez várias voltas antes de pousar: do alto os poucos automóveis nas estradas do dia feriado e a neve cobrindo tudo compunham uma cena de fim dos tempos. No chão, impressionava o exército de tratores que mantém a pista do aeroporto limpa, que era a única área não coberta de neve. Aliás, no momento da aterrissagem nevava aquela neve seca, fininha, boa para esquiar. O finger em Munique era de tão frio a antítese mesma do finger no Galeão há menos de um mês, quando fazia 39°C lá fora às 18 horas e dentro do finger parecia fazer 50°C no mínimo.
Minha mala chegou apesar da etiqueta super mal impressa em Salvador. Como o avião atrasou, deu para tomar uma Leberknödelsuppe ainda no aeroporto, no tempo de espera do trem. Em Traunstein, tanta neve que não dava para mudar de lado na rua. Frio, como sempre.
Os ingressos para o show de Tennis já estavam na caixa dos correios. Agora é só esperar até o dia 14.

sábado, 11 de dezembro de 2010

De Vargas Llosa para a Bahia e todas as outras províncias (um recado meu)

Reclamei muito nas últimas horas da ausência completa de notícias sobre a cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Literatura a Vargas Llosa na imprensa brasileira e na internacional como um todo - entre os periódicos que leio o El País é a única e grande exceção.
O noticiário se debruçou sobre a cadeira vazia do chinês que ganhou o Nobel da Paz, numa clara defesa dos EUA, e por tabela contra Wikileaks e Assange. Triste, com isso eles poem em jogo a liberdade de imprensa mais importante, que é a própria, em nome de um jogo econômico entre EUA e China. Vargas Llosa defendeu ontem mais uma vez uma sociedade liberal, aquela onde a diplomacia suja e toda forma de ditadura são evidentemente atacadas. Mais uma vez, em sua posição crítica contundente, ele estava ali desagradando uns e outros.
Seu discurso de recebimento do prêmio (disponível na íntegra em http://e.elcomercio.pe/66/doc/0/0/2/5/8/258534.pdf ) é muito próximo à sua introdução do livro El viaje a la ficcion, um ensaio crítico sobre a literatura de Onetti, onde Vargas Llosa defende a função de transformação social da ficção. É uma ampliação das consideraçoes feitas a partir da obra de Onetti para os campos da sua vida pessoal, da obra de outros autores e da política enquanto existência no mundo.
Se o presidente do Brasil tivesse um pouco de humildade, alguma ambição intelectual e generosidade, ele teria muito a aprender com o discurso proferido pelo grande autor peruano ontem em Estocolmo. Os baianos também, mas não me iludo: eu já imagino que poucas pessoas aqui no Fim do Mundo irão ler este discurso. Mas a Bahia bem que precisava, e muito, refletir sobre este texto. A Bahia das três letrinhas e a Bahia do tem tem tem; a Bahia do Axé e do Pagode; a Bahia dos afro-descendentes e a Bahia branca; a Bahia do Shopping Salvador e da Feira de Sao Joaquim; a Bahia de Sauípe e Praia do Forte e a Bahia da Fazenda Grande do Retiro.
Como o Fim do Mundo é mesmo meio preguiçoso, fica aqui uma pequena mostra do que Vargas Llosa disse ontem:
"Detesto toda forma de nacionalismo, ideología - o, más bien, religion - provinciana, de corto vuelo, excluyente, que recorta el horizonte intelectual y disimula en su seno prejuicios étnicos y racistas, pues convierte en valor supremo, en privilegio moral y ontológico, la circunstancia fortuita del lugar de nacimiento."
Daqui do Fim do Mundo, te saúdo uma vez mais.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Fluminense

Algumas pessoas já me ouviram contar esta história: há algum tempo atrás Carol T. me perguntou se eu torcia pelo Bahia ou pelo Vitória, e eu lhe respondi que torcia pelo Bahia da mesma maneira que falava a língua portuguesa, ou seja, sem escolha, anterior a qualquer condição de autonomia intelectual. Meu pai era torcedor sócio do Bahia: meu primeiro banho de mar foi ali, na Boca do Rio (não se preocupem, à época de que falo a praia não era poluída), e temos fotos deste dia, e os primeiros bailes de carnaval a que fui foram ali também na sede de praia do clube.
Meu pai era tricolor, também por definição do adversário: é assim que se aqui na Bahia ele era contra o rubro-negro, no Rio ele era logicamente Fluminense, ou seja contra o rubro-negro local (me diverti muito hoje com um colega que sequer diz o nome do rubro-negro que acaba de cair para a 2a divisão, tendo se referido "àquele outro time"). Hoje talvez existam pessoas que sejam só Bahia, mas naqueles tempos todo mundo torcia também para um time do Rio. Por isso meu pai enviava telegramas de felicitaçoes às Laranjeiras a cada conquista de título do Fluminense.
Nem é preciso dizer que no futebol de botão tive dois times: o Bahia e o Fluminense. Mas como mais da metade dos vizinhos também tinha um time do botão do Bahia, o meu sempre era o Fluminense.
Ter acompanhado o Fluzão mais de perto nos últimos meses - desde a virada dos guerreiros contra o rebaixamento - foi um grande prazer. E foi um jeito renovado de lembrar de meu pai.

sábado, 4 de dezembro de 2010

desde a bahia não-profunda: populismo de 4 de dezembro

A emissora de TV mais vista no fim do mundo faz jus à sua condição geográfica, aliás é um dos elementos fundamentais de sua perpetuação. Seus telejornais brilham mesmo em festas populares, datas cívicas, aglomeraçoes religiosas, e se for verão então, temos prato feito. Assim foi hoje, ao noticiarem a festa/missa/aglomeração no Pelourinho para saudar Santa Bárbara.
Confesso que às vezes gostaria de descobrir um responsável pelo que é mostrado, mas creio que redator-chefe, editor de imagens, repórter e povo dividem igualmente este pódio. Primeiro um senhor tratou de Santa Bárabara e de Iansã como duas personagens históricas, para depois sair pela tangente mais ou menos consciente do que tinha falado, encerrando o paralelo que ele tinha inciado com uma resvalada pelo acostamento. Na sequência, falou o padre da missa-show, dizendo por sua vez que Santa Bárbara era exemplar para todas as mulheres por ter sido alguém que se opôs à família e seguiu seu próprio caminho.
Duas mensagens tão esquisitas, tão esdrúxulas, em meio a imagens da santa quase caindo do andor, gente gritando e batendo palma como se nao se tratasse de uma missa e um passeio da câmera pelo altar no mercado na baixa dos sapateiros: a bahia, não sei não.