sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

diário do farol, o livro (resenha rápida)

Terminei hoje a leitura do livro de autoria de João Ubaldo Ribeiro, cujo exemplar ganhei por ter ocupado a cadeira premiada quando fui assistir à montagem do texto no centro cultural da barroquinha, acompanhado por Carolina. A encenação ganhou vigor mais uma vez, ao ter sabido retirar corretamente o que o livro traz de excesso de reflexão do autor-personagem. O livro não é dos melhores do autor, não consegui elucidar mesmo depois da leitura a dúvida que ficou da peça - qual é o peso do contexto histórico para a vida do personagem? - e os cortes que o autor-personagem faz da narrativa mais parecem que o próprio João Ubaldo é que estava com preguiça. Funcionou melhor como teatro.

retrospectiva 2011

2011: o ano que fomos de amy winehouse a lana del rey.

domingo, 18 de dezembro de 2011

e a TAP continua se aprimorando

desconheço serviço de companhia aérea tão desagradável como o da TAP: mas não se pode dizer que eles não façam um esforço contínuo para manter e aprimorar o padrão do serviço. Desta vez foi, além de um péssimo jantar oferecido somente às três da manhã, uma aeromoça de origem asiática no vôo entre Salvador e Lisboa: esta deve ser a pessoa mais antipática, grossa e estúpida a ocupar esta função em todo o mundo mundial. É incrível que alguém que desempenhe o serviço como esta mulher o faz tenha passado em uma seleção, um treinamento e qualquer avaliação já em atividade. Um detalhe engraçado: ela não tem altura para abrir os compartimentos para bagagem de mão sobre os assentos e sempre ficava dando pulos e se apoiando nas poltronas para alcançá-los. Só digo uma coisa: aff....
Basta na sequência a pessoa entrar em um avião da Lufthansa para ver a enorme diferença.... e olha que os alemães são, muito antes de simpáticos, eficientes, eficientes inclusive em simpatia onde se espera que ela exista.
Férias mode on.

domingo, 6 de novembro de 2011

a pele que habito

Antes de ir ver o filme, li o texto de Caetano na semana passada e o que me pareceu então muito interessante se mostrou óbvio durante o filme. O filme é, em parte, sobre a sociedade brasileira e sua amoraliadade novomundesca, que se abre para a violência continental e para o bolerismo de novela mexicana-venezuelana.
É também, como disse Any, sobre várias interpretaçoes do complexo de édipo; e, acrescento, sobre como memória e espelho - acionados em uma mínima fração de segundo - serão sempre o vilão salvador contra a utopia / o crime / a mentira / a ilusão perfeitos: lembrem que o lubrificante chegou a ser comprado.
O filme é também, naquilo em que seu enredo se apóia na história de Frankenstein, uma homenagem a Michael Jackson e Natascha Kampusch: a pele nova (inversamente à do rei do pop, super resistente) e perolada - em um efeito ótimo de luz e maquiagem - e o cativeiro amplo (inverso ao de Natasha) alimentado de vida pela TV (como a prisão subterrânea vienense). Seria acaso demais o fato de Natasha Kampusch ter se libertado de seu algoz em 2006, o mesmo ano em que o fato desencadeador da trama do filme acontece. Vera é Michael e Natascha reunidos.
Como todo mundo já comentou, Ata-me vem logo à lembrança e, como Christopher já havia comentado, desta vez a trama parece construída demais, eu diria artificiosa mais que artificial (é, alguém irá argumentar que tem a ver com a coisa da cirurgia plástica, mas mesmo assim não convence).
E o que não me convence mesmo é a sanidade mental de Vera; A Marina de Ata-me resolve o seu problema com Antonio Banderas pelo amor, pela paixão; já Vera, é um monstro de sobrevivência e adaptação. Sinal dos tempos?
Ainda não foi com este filme que o diretor retornou à maestria por último vista em Volver. Que venha o próximo.

sábado, 5 de novembro de 2011

a maconha na usp ou o vazio do movimento estudantil

Legalizar o comércio das drogas - ou pelo menos algumas delas, como a maconha - é uma alternativa posta para a sociedade brasileira diante do imenso problema social que o tráfico de drogas é hoje. 
A prisão de três estudantes no campus da USP pela polícia militar parecia guardar o potencial de ver este tema discutido mais uma vez, agora com uma atenção da mídia garantida pela reação demonstrada por um grupo de estudantes contra a prisão dos 3 colegas. 
No dia seguinte, já era possível ver no entanto que a "ocupação" do prédio da universidade não tinha mais nada a ver com o uso da maconha na área do campus.
Um fato-problema como este (o da prisão dos 3 estudantes) pode levar a uma mudança da lei. Por exemplo, se em vez de ocupar prédios, os estudantes tivessem feito com que cada dia outros 3 estudantes fossem presos por uso da maconha (indo consumi-la ostensivamente ao lado dos policiais), aí seria impossível deixar de acontecer uma discussão maior e nacional sobre o tema; eles fariam isso até que todos os estudantes disponíveis fossem presos e a polícia tornada inoperante, ocupada exclusivamente em prender usuários da cannabis. 
Mas o fato de eles desviarem o foco tão rapidamente em direção à presença da polícia em si no campus, já mostra que a legalização da maconha nao é um tema para os estudantes que ocuparam os prédios da USP, o tema é somente criar um factoide político pensado para a eleição em são paulo, para desgastar quem está no poder. Ou será pura coincidência isso tudo ter acontecido em meio a mais um escândalo com o ENEM? É tudo tão óbvio e descarado, que chega a ser ridículo.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

o arcebispo na TV, uma surpresa interessante

Acordei para variar cedo demais - eram extamente as 7 horas da manhã de um feriado - e fiz algo que normalmente não faço para poder guardar algum bom humor e serenidade e não ser confrontado com altas doses de estupidez: liguei a TV no momento de um telejornal local.
Naquele instante, os apresentadores anunciavam que iriam entrevistar o arcebispo de Salvador sobre o dia de finados. Foi uma sorte ter sido lerdo o suficiente para não desligar a TV de imediato. Eu confesso que nem sabia que Murilo Krieger era o arcebispo de Salvador, mas já o seu jeito de sentar associado ao tom de voz amigável e nada teatral já deixaram uma boa imagem no vídeo.
Mas o que realmente me impressionou foi vê-lo apelar para que as pessoas vivam intensamente o presente sem se preocuparem nem com o passado nem com o futuro. Acho que nunca ouvi nada tão simpático e animador vindo de um arcebispo nesta cidade; D. Krieger deixou uma ótima impressão ao reverter tão tranquila e soberanamente o foco da tristeza do dia em direção a um apelo leve e jovial pela vida no presente. Gostei da entrevista.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

CAU: um MAU começo

Provavelmente por ser um entusiasta de há muito tempo da saída dos arquitetos do sistema CREA, a minha decepção foi enorme ao receber uma correspondência há algumas semanas atrás com uma senha eletrônica para a votação fundacional, obrigatória, para o CAU, que passará a existir no próximo ano.
Considero inimaginável que alguém em nome de democracia consiga justificar a obrigatoriedade do voto, ainda mais para algo como um Conselho Profissional. Além desta coerciva obrigatoriedade, foi determinada a limitação da votação a um prazo de apenas 20 horas, sem nenhuma justificativa técnica para isso, uma vez que a votação se deu hoje exclusivamente pela internet: porque não oferecer um prazo de 24 horas, ainda mais que as 4 horas que foram retiradas sao exatamente aquelas nas quais as pessoas chegam em casa após o dia de trabalho e ainda nao foram dormir para descansar para o próximo dia, ou seja, AS MAIS IMPORTANTES para uma eleição pela internet. Porque excluir exatamente estas horas?
Pior que isso, a correspondência ainda fazia questão de lembrar, em tom ameaçador, da multa de alto valor para quem não votasse e nao tivesse uma justificativa a ser aceita pelo Conselho. Alguém pode explicar como seria possível tentar reunir colegas de profissão em torno a um novo Conselho Profissional de uma maneira ainda pior?
Pois há: ter uma chapa única para ser votada ou não. A pior maneira de se iniciar algo que se diga democrático é com uma chapa única; o processo de criação do CAU deveria ter incentivado o surgimento de mais de uma chapa, para que a democracia estivesse em sua origem; nos estados onde nao tivessem sido formadas mais de uma chapa, poderia ter havido um prazo maior para que uma disputa, saudável e fundamental para qualquer representação, pudesse ocorrer.
O que e como aconteceu hoje, deixou um peso muito grande no ar. Um começo tão importante deveria ter sido muito diferente. Uma tristeza.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

o dia em que machado de assis virou afro-brasileiro

um banco disse hoje que o único escritor que provavelmente tem o porte de ser "nacional" é afro-descendente e que por isso um ator branco não poderia representá-lo em uma peça publicitária sua. eu digo que machado de assis tinha uma mãe que nasceu nos açores, lugar de onde também veio para o brasil o meu avô, daí, eu digo que machado e eu somos também "açores-descendentes".
A açoriana pobre - como o meu avô, que veio criança fugindo da fome em portugal - logo se juntou aos da terra, misturando mais ainda o que já era misturado, dando caldo a isso que é (ou era até uns dez anos atrás) o brasil. depois vieram japoneses, poloneses, judeus russos, judeus alemães, italianos, galegos da espanha, mais portugueses, sírios, libaneses. Qualquer filho ou neto de qualquer um destes imigrantes assimilados, como foi imigrante a mãe de machado, poderia interpretá-lo em um filme. Ou seria a mãe menos importante que o pai?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Enfim arquitetura na cidade: o palco articulado para o Pelourinho

A idéia arquitetônica do palco articulado no largo do Pelourinho é ao mesmo tempo um gesto de reconhecimento do coletivo, de compromisso urbano e de um acerto ímpar.
É o reconhecimento ao impulso coletivo de maior importância que atuou contra o longo e duradouro processo de abandono e arruinamento do centro histórico da cidade, que foi o da música dos blocos afro e afoxés. É o gesto de arquitetura correspondente a uma interpretação otimista do pulsante movimento social mais importante para a reversão do valor daquele espaço para o coletivo da cidade, do país e do mundo e cuja expressão mais evidente, há cerca de duas décadas atrás, era a música.
É o compromisso urbano – arriscado – de completude física de uma estrutura que apresenta lacunas incompatíveis com a configuração do lugar e – preciso – de qualificação material das atividades coletivas que acontecem no espaço público. Diferente das aberturas das chamadas “praças” no interior dos quarteirões, o desenho aqui é de preenchimento de um vazio causado por arruinamento através de um equipamento de qualidade técnica que, ao mesmo tempo em que substitui as estruturas efêmeras, confere sentido ao uso do espaço para shows, situando a platéia corretamente na declividade do largo.
É o acerto inteligente de quem, ao desenhar a arquitetura, é capaz de articular os distintos elementos constituintes do programa e respondê-los com uma criação estonteantemente simples e inesperada, instituída do vigor que redimensiona e qualifica as atividades a que deve servir ao passo em que é capaz de apenas deixá-las acontecer sem ingerências, descaracterizações ou desvios.
O projeto do Prof. Pasqualino Magnavita congrega, para além destas qualidades, uma acurada relação entre as áreas de apoio do palco e o palco propriamente dito, uma atualização cultural através da inserção dos elementos de tecnologia contemporânea e uma urgente contribuição à arquitetura na cidade.
Os distintos níveis de acesso dos três imóveis que anteriormente ocupavam a área da atual lacuna são cuidadosamente integrados na solução que permite um flexível acesso ao palco a partir das áreas de camarim e apoio, em um intrincado jogo de articulação de níveis e separação de usos com distintos volumes, e que continuam a abrigar no seu térreo o uso atual da área. Associada à tecnologia relativamente simples que permite o novo edifício tornar-se palco ao deslizar por sobre a ladeira do Pelourinho, foi desenvolvida uma fachada que sublinha a efemeridade e a mutabilidade da música através de um divertido conceito de iluminação e de variação dos seus elementos, criando outro plano de conexão com o tema. 
Por fim, é necessário que se diga que com o palco articulado as diversas apresentações musicais na área do Pelourinho – que através da infra-estrutura garantida pelo palco poderão ter seu leque ampliado para o teatro, dança ou música erudita – terão a chance de poder contar com uma base organizada, cuja conseqüência mais imediata será a da redução do impacto de uso, através da possibilidade da racionalização da pauta de shows no espaço físico do bairro e decorrente da interpretação da configuração da praça.  É assim que, do ponto de vista acústico, devido exatamente à inversão, estabelecida pelo palco articulado, da posição relativa palco-platéia, deverá ser possível inclusive uma redução da amplificação sonora nas apresentações que ali vierem a acontecer. Em ambas as situações, os edifícios antigos poderão ser beneficiados.
Sem deixar de afirmar e reinventar o tempo duradouro da cidade enquanto arquitetura, o projeto do palco articulado do Pelourinho desvincula-se do tempo de hoje – no sentido mais exato da expressão, até mesmo por ter sido concebido há mais de vinte anos sem nada ter perdido de seu vigor – sem vacilar em nostalgia ou sisudez diante de tamanho desafio. Em meio aos edifícios mais antigos da cidade, a opção de um desenho acertadamente contemporâneo marcado pela leveza e certa ironia a partir de molduras tão rígidas é um bálsamo. A arquitetura na cidade agradece.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O palco para a cidade

foi publicado hoje, 6 de setembro, no jornal A Tarde um artigo que escrevi sobre o palco articulado para o Pelourinho, projeto de autoria de Pasqualino Magnativa.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

a árvore da vida, o filme

O filme tem a pretensão comum em filmes de Wim Wenders, por exemplo, o que é ruim. O filme tem uma fotografia belíssima, como nos melhores momentos da produção visual feita nos Estados Unidos nas últimas quatro décadas. O filme tem edição e atuaçoes impecáveis, e ele nos ensina que os melhores atores do mundo serão sempre crianças norte-americanas.
E o filme é também sobre escalas, arquitetura e design. Ritmo narrativo e fragmentação recompoem de maneira excelente a ansiedade com a memória da vida.
Ainda não sei o quanto gostei; já sei que este filme não sobreviverá bem ao tempo. Vive de impacto, tem texto autônomo em excesso; como um filme de Wenders.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Koolhaas em Sao Paulo, ou Lagos é aqui (nao o Haiti)

Pelo visto pouca gente leu os livros de Koolhaas, para tanta indignação ou incômodo por conta da semelhança apontada pelo arquiteto entre São Paulo, Lagos, Jacarta e Manila.
Deve ter muita gente mesmo acreditando neste papo de que o crescimento do PIB resolverá todos os problemas da nação, mesmo que boa parte desta crença cada vez mais me pareça uma maneira de tentar recalcar a culpa de quem parou a reflexão antes da hora. Refletindo só um pouquinho, qualquer um pode ver que isso não vai dar certo.
Lagos é algo mais que a Feira de São Joaquim, certo?
Porque se o incômodo ou a indignação é com o conteúdo do livro, porque então trazer Koolhaas ao Brasil se não queriam escutar a constatação mais óbvia que ele podia ter feito?
Caetano disse há muito tempo atrás, na canção que fala da cidade, que narciso acha feio o que não é espelho; o brasil de hoje insiste em não enfrentar o espelho, achando ruim quando alguém o obriga. Recusa feia.
Uma das piores coisas que há é exatamente isso, arrogância sem motivo. Ignorância, bobagem.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

inglaterra X brasil, a semana

Nas redes sociais circulou esta semana um pequeno parágrafo que dizia que os acontecimentos em londres, nas bolsas européias e o rebaixamento da credibilidade financeira dos EUA eram os grandes sinais de como o mundo se torna cada vez mais brasileiro.
Nesta mesma semana assistimos a como os policiais do Rio de Janeiro atiraram contra um ônibus sequestrado, ferindo gravemente cidadãos reféns sem que os sequestradores tivessem disparado uma única bala. Hoje acordamos com a notícia do assassinato brutal da juíza que combatia os grupos de extermínio na região metropolitana do Rio.
Enquanto isso, na Inglaterra, depois de 4 dias de incêndios e depedraçoes, o congresso discutia se à polícia seria liberado o uso de balas de borracha (!) contra os saqueadores. Mesmo sem atirar em ninguém, foram presas centenas de pessoas e contra a maioria delas a justiça já está trabalhando, inclusive contra aqueles menores de idade.
Ah, doce ilusão que tudo seria assim tão fácil.... para chegar ao brasil, a ladeira íngrime ainda é muito, muito longa e os freios ainda estão funcionando muito bem. Mesmo com os brasileiros tentando por tachinhas no meio da rua.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

SPAN, uma (muito) pequena exposicao de arquitetura

Em cartaz no MAK, em Viena, uma exposição sobre o trabalho de SPAN, o escritório de arquitetura que assinou o pavilhão austríaco, muito bom por sinal, na exposição mundial de Xangai no ano passado. A foto da galeria no flyer do museu prometia muito, chegando lá a surpresa foi grande: o forro plotado, em forma de concha, que domina todo o espaço reservado para a exposição, abriga quase nada: duas tvs e uma plotagem 3D. A plotagem 3D é bem interessante, apresentada na altura de uma cama e com padroes naturais, pode ser lida como uma colcha cujos padroes florais ganharam tridimensionalidade ou um relevo de uma planeta distante representado em escala: legal mesmo é ver a sequência linear de ação do equipamento de fresagem sobre o material.
Nas TVs sao apresentadas em forma de loop contínuo duas animaçoes: uma delas mostra uma estrutura para lá de orgânica, extremamente próxima esteticamente ao Alien dos filmes, que vai sofrendo uma metamorfose contínua. A outra animação parte de imagens aéreas de cidades - uma delas Barcelona (afff......) - para descrever a metamorfose da estrtura urbana contaminada por um desenho como o mostrado na primeira animação.
Muito estranho na estrutura alienígena é a sua simetria, absoluta, que leva inclusive cada imagem parada a parecer uma prancha do teste de rorschach: porque algo tão assumidamente orgânico não pode ser mais adaptável, menos ligado a um eixo rotacional de movimento e um eixo de simetria de composição?
Na segunda animação, a metamorfose, que surge como um vento sobre as cidades, acaba gerando uma associação maior de destruição cancerígena do que de uma alternativa não racionalizada para o espaço urbano.
Sim, as perspectivas do mundo não são mesmo muito boas atualmente. Mas eu nunca vi com tão pouco se montar uma exposição de arquitetura.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

uma semana de bicicleta pela Suíça

Conhecer a Suíça é confirmar preços altos, queijo gratinado mesmo no verão, tudo exageradamente bem cuidado e limpo, um altíssimo padrão de vida, montanhas e lagos - imensos e lindos -, pontes muito bem desenhadas; é descobrir cidades com um encanto arrebatador por não terem sido bombardeadas na 2a guerra mundial, além de verdadeiramente bonitas (quem nunca foi a Solothurn, então vá).
De bicicleta de Genebra a Bregenz, no extremo leste do lago de Constança, já na Áustria, foram sete dias e 565 km atravessando a Suíça de oeste a leste, com temperaturas baixas, ameaça de chuva constante, pouco sol e muito vento a favor (ainda bem).
As primeiras surpresas foram percerber que apenas os suíços de língua alemã têm bigode, que Genebra está cheia de batedores de carteira e que deve ser muito difícil haver mais bandeiras nacionais nos EUA que as da Suíça nos jardins e fachadas das casas de seus cidadãos.
A paisagem de urbanização contínua e altíssima densidade, acompanhando lagos e montanhas e plantaçoes de todo tipo de produtos agrícolas, deve ser o atestado maior (ou o mais luxuoso) de nossa incompetência política e urbanística.
Impressionante, mesmo para quem conhece bem um país como a Áustria, a fartura de infra-estrutura social em forma de instalaçoes esportivas, centros sociais, banheiros públicos, fontes de água potável, em cada povoado por menor que seja. Também em cada povoado, arquitetura habitacional multifamiliar da mais alta qualidade. E a arquitetura dos ricos também é boa! Além disso, uma excelente rede de ciclovias, com uma hierarquia clara, pistas muito bem cuidadas e sinalizadas, não conheço melhor.
As cataratas do Reno foram uma experiência à parte, impressionantes, ao fim do bonito e rico trecho do vale do rio desde a confluência do rio Aare.
Em Bregenz, a Kunsthalle de Zumthor é tudo e algo mais que promete ser (com exposição de Ai Weiwei!), em Aarau a extensão da galeria de arte assinada por H & dM, apesar de toda a ironia, mostra o quanto da arquitetura da dupla estava ali ao redor (não é preciso usar a palavra regional, isso eles não merecem), mas o
ponto alto em termos arquitetônicos foi o Rolex Learning Center, no campus da universidade em Lausanne (o primeiro Sejima que conheço).
Diante de tal arquitetura em estado puro como poucos edifícios, não consigo compreender como alguém pode ter dúvida do Pritzker conferido ao Sanaa; muito além de todas as influências que podem ser enumeradas, é uma obra para deixar qualquer fã feliz.
Por fim, em Bregenz assistimos à Ópera André Chenier, nova montagem do famoso palco à beira do lago: como em poucas vezes, o uso da palavra espetáculo é justificável: para uma ópera por demais italiana, um cenário e direção que arriscam o sublime beirando o kitsch. Conseguem (além do mais, com excelentes cantores).
Na volta, pausa prolongada à espera do segundo trem em Lindau, uma versão bávara de Veneza no lago de Constança.
Estou seguro que há dois tipos de pessoas, os que conhecem o Japão e os outros.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

novelinha ou macrossérie? 2° capítulo de O Astro

Acabo de assistir ao segundo capítulo de O Astro sem ter visto o primeiro: Carolina Ferraz fantasiada de Ivete Sangalo em uma sucessão de continuidades espaciais esotéricas de gosto duvidoso. O Astro é uma novela de uma época quando o esoterismo dominava o Brasil (as letras de Paulo Coelho & Raul Seixas o comprovam) e a abertura - em seu estilo breguíssimo da rede globo parece tentar nos ensinar que tudo dos anos 70 correspondia ao supra-sumo da elegância e que hoje somos um bando de gente de mau gosto - deve concorrer com a de O Clone pelo título de a pior de todos os tempos do mundo mundial.
Francisco Cuoco parecia um remake de Mister M. Mas ruim mesmo é o texto e as interpretacoes dos atores: a cena inicial, do filho nu no meio da festa, e a saída dele ao final, dominado por médicos a serviço do mal, são tão anacrônicas, tão carregadas e desproporcionais, que parece que os autores não retiraram nem um pouquinho do patos bolerístico dos textos de novelas de quase quarenta anos atrás: logo, logo, vai ter personagem chocado ao ouvir alguém dizer que fulana é desquitada! OHHHHHH!!!!!!!!!!!! E no meio disso tudo uma cena de botequim típica de novela das oito, nada a ver.
Muito ruim, só não é completamente ruim o fato de não terem feito outra gravação da música de abertura. Porque já me imagino a. c., a pior cantora do mundo mundial, de microfone em punho. Seria adequado.

terça-feira, 14 de junho de 2011

SOY CHUECA: A luta por Chueca ou gentrification strikes again

Conheci Madrid ainda na primeira metade dos anos 90 e estive lá algumas vezes desde então, a mais recente em fevereiro deste ano. Sempre hospedado no coração de Chueca, na Plaza Vazquez de Mella.
Madrid mudou muito neste intervalo de tempo: da cidade forrada de cartazes de cinema pintados a mão (hoje inexistentes) e escadas rolantes de madeira que não funcionavam na saída das estaçoes de Metrô do centro à cidade do Terminal 4 de Barajas, de autoria de Rogers, do Caja Forum de H & dM, da "4 torres business area" e, principalmente, da sua enorme e marcante intervenção de redesenho das margens do rio Manzanares.
As transformaçoes recentes de Madrid incluem ainda a poderosa gentrificação do centro da cidade, em especial de Chueca, seguindo todos os passos que um processo como este prevê. Quem hoje vê a Calle de Hortaleza transformada em uma zona de pedestres arborizada, ladeada de lojas comuníssimas nos shopping centers do mundo mundial, ou a própria Plaza Vazquez de Mella com seu estacionamento subterrâneo e hotel boutique, é incapaz de imaginar o que era este bairro há pouco mais de quinze anos atrás, povoado de restaurantes tradicionais de centro de cidade e seus garçons mal humorados, lojas alternativas de designers locais, drogados nas calçadas e bares e cafés gays. Foram os gays que escolheram o bairro para morar e transformaram Chueca em um lugar hoje desejado por todos, que impulsionaram a renovação urbana que hoje é usada como argumento para a proibição dos shows da parada do orgulho gay no bairro.
No meio da massa de consumidores e turistas, os gays já são há muito tempo minoria no espaço público. O mesmo acontece na Müllerstrasse em Munique e nos seus equivalentes em outras cidades européias, com maior ou menor intensidade. Já imagino os que vão ver um lado positivo nesta tentativa de expulsão dos gays de Chueca, argumentando que gueto nunca foi bom para ninguém. Faz tempo que o espírito de Stonewall não se fazia tão necessário: no país que deu exemplo ao mundo ao garantir a igualdade plena de direitos aos seus cidadãos independentemente da sua orientação sexual, Chueca é solo sagrado, há que lutar por ele.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

"me alivia a dor", zizi possi no tca

Breno tem toda a razão em reclamar da ausência de direção no show, eu brincando disse que o irmão da cantora talvez estivesse recheando seu currículo lattes. Faltou algum fio condutor, as pausas foram longas e o sorteio de dvd não precisava ter acontecido.
Eu continuo sem entender porque o público vai a um show para cantar, de preferência mais alto que o cantor: ainda mais em um show onde a cantora pediu duas vezes que a acompanhassem: isso somente pode significar que nos outros momentos todos deveriam ficar escutando. O grande problema de ontem foi aquele público, formado em sua esmagadora maioria por pessoas que se deram um presente do dia dos namorados, obedecendo à publicidade na TV: em outra data, o público teria sido muito distinto. Zizi não perdoou: disse que, para ela, aquela data era como se fosse o dia das crianças, adorei isso. Mas o resultado foi o que foi: essa grande maioria foi para ouvir Per Amore e pedir Perigo no bis. Aff.....
Mas Zizi permanece a cantora que é e sempre foi (e eu ainda acho que a percussão pesa demais nos arranjos) e foi uma sorte Caminhos de Sol ter sido a terceira canção do show, logo no início, quando o público ainda estava contido. O melhor momento do show foi Pra Dizer Adeus, perfeita, o segundo ponto alto, Tico Tico no Fubá. Zizi brilhou com seus vocalises, divisoes dos versos e afinação.
Asa Morena teve outro significado, cantada por alguém que visivelmente ainda sente muitas dores. Tomara que isso passe logo e que o próximo show da cantora na cidade não coincida com nenhuma "data comemorativa". Os fãs desejam as duas coisas intensamente!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

referência musical, as vozes

Tenho vontade de escrever mais aqui sobre música, mas sempre que escrevo sobre música tenho a sensação de produzir um texto equivalente a escrever sobre fachada achando que se está escrevendo sobre arquitetura: digo isso porque não sei tocar instrumento algum e nem sei ler partitura. Sinto-me um analfabeto na matéria.
Ainda assim, persiste em drmukti já há algum tempo a vontade de tratar mais de música e conclui que um bom arranque seria falar sobre aquilo que me parece referência de absoluto, ou o que chega perto disso. Começo com as vozes.
São quatro nomes de duas sílabas, e isso não deve ser acaso: Ella, Dori, Zizi e Eddie.
Ella Fitzgerald é definitivamente absoluta: é uma sorte para o mundo ela ter vivido na época da reprodutibilidade técnica. Ella é em termos musicais para o século XX o que Schubert é para o XIX ou Mozart para o XVIII. Exagero? Não acho. Sorte na vida teve quem pôde ir a uma apresentação sua.
Dori Caymmi deveria ter gravado o dobro, o triplo de discos que ele gravou até agora, deveria ter feito dez vezes mais shows cantando. Às vezes chego a crer que ele segue a máxima que eu desde há muito tempo repito: "Se eu tivesse a voz de Dori Caymmi, eu não falava com ninguém!" Nunca estive em um show seu, super falta.
Zizi Possi protagonizou o primeiro show a que assisti, há muito tempo atrás no Teatro Castro Alves (ela era muito jovem, Johnny Alf ao piano e eu encantado para o resto da vida). Não conheço outra palavra para a sua voz que beleza: tão bela que serão para sempre perdoados (e adorados) um vocalise aqui e ali, um arranjo às vezes carregado demais nos baixos e Asa Morena. Voz suprema (sim, caminhos de sol na veia).
E Eddie Vedder. Já na primeira vez que o ouvi sei que esta é a voz masculina mais bonita desde que a palavra rock significa um gênero musical. Não é alcance, nem ritmo, nem interpretação, é o timbre, só dele. Ele pode tanto que até seu corte de cabelo mais comum não importa. Amei suas ukulele songs.
Domingo estarei lá no Castro Alves, já não vejo a hora. Duas sílabas duas vezes, perfeita.

Oslivro em Inscençatu Corassãu

Aconteceu no capítulo desta quarta-feira, em uma daquelas cenas onde o timbre muito agudo e o sotaque baiano de Lázaro Ramos fazem a interpretação dele do pegador carioca da zona sul muito pouco convincente. No meio de uma cena mais enérgica, é difícil dizer se o texto foi escrito desta maneira ou se foi um deslize do ator, mas ali, reclamando de ciúmes, a seguinte frase foi por ele pronunciada:
"Daqui a pouco meu filho vai estar convivendo mais com esse cara do que eu."
É necessário explicar: os ciúmes nao eram de um caso bizarro de pai e filho gays que estivessem paquerando o mesmo cara; o ciúme era do namorado da mãe do filho do personagem, que é um bebê, que estaria passando mais tempo com o atual namorado da mãe do que com o próprio pai. Só que, para isso, ele deveria ter dito "do que comigo" e não "do que eu". Eu é a forma da primeira pessoa do singular na função de sujeito, ou caso reto; portanto, o eu da frase eclipsada somente pode substituir o sujeito da oração que lhe precede, que é meu filho. Para expressar o que ele queria dizer, ele deveria ter usado "comigo", palavra que em português representa a contração entre a preposição com e o caso oblíquo do pronome da primeira pessoa do singular, me.
Um belo exemplo de que mesmo na língua falada as regras demonstram claramente porque elas existem. Sim, eu sei que a turma do "preconceito linguístico" mesmo assim vai querer ter razão. Só não vão conseguir se fazer entender. Ou vai ter que argumentar que naquela cena, o macho pegador se reveleva um bissexual em disputa com a mãe de seu filho pelo atual namorado dela. Mas a história não seguiu assim. Era uma frase simplesmente errada.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

em sao paulo, duas exposicoes bem distintas

Aproveitei minha estadia em São Paulo e fui a duas exposicoes: Escher e Leonilson. Mais distintas não poderiam ter sido: Escher é um daqueles artistas que se vêem como instrumento para a arte, para quem a arte lhes é algo superior, Leonilson se via como arte.
Aprendi muito com a excelente exposição de Escher, suas referências no surrealismo, arte abstrata e azulejos do sul de espanha, seu exímio traço desde sempre e sua aproximacao à matemática. Espalhada pelos andares e salas não tão bem conectados do Centro Cultural do Banco do Brasil, e povoada de criancas e adolescentes barulhentos, ainda assim a exposição permitia ter uma excelente visão do conjunto da obra do artista, com destaque para os originais de estudos e as animacoes em vídeo contemporaneas a partir dos motivos de Escher. Altamente emocionante, ao menos para quem é fascinado pela tensão entre abstração e figuração, presentes na obra do artista como em poucas. Inevitável nao pensar no que ele teria feito no mundo da computação gráfica; ou imaginar que ela nao existiria sem ele.
A exposição da obra de Leonilson tinha uma arquitetura primorosa: três andares do Itaú Cultural forrados de compensado claro, incluindo o piso e os móveis, em uma tectônica de exata adequação à obra. Construída como uma autobiografia, a mostra vai revelando o misto de perversoes católicas, um pai dominador, cultura pop (the smiths presentes em duas obras, new wave em várias), cultura popular, parangolés e outras coisas de oiticica, que formam a base para uma obra que pretende ser ao mesmo tempo mínima e pessoal, abertamente devassa nos detalhes não mediados.
Autocomplacência substitui na obra de Leonilson o que a matemática é na obra de Escher. Leonilson é o artista engajado em si mesmo, moderninho antes da hora, purista em um conceitualismo naturalizante da arte. Tão naturalizante que em várias obras você pode procurar ali o artista sem encontrá-lo.
Nao consegui conciliar as duas visitas, talvez sejam mesmo assim irreconciliáveis. E tampouco consegui mantê-las objetivamente equidistantes. Escher me emocinou.

terça-feira, 17 de maio de 2011

trás em vez de traz ou nós e o português

Dois momentos distintos no dia: pela manhã recebi de várias pessoas um link para o depoimento de uma professora do Rio Grande do Norte, apresentado como resumo da educação no Brasil. A professora abre sua fala referindo-se ao seu salário de três algarismos. Bem, pelo que vi ontem em especial na Globo, esta não é uma situação nacional, pois professoras no interior do Rio Grande do Sul ganham 3 mil reais por mês (quatro algarismos). Também não creio que em nenhum momento, em nenhum lugar no país a educação não foi prioridade. Pode não haver continuidade de trabalho, mas há durante o século XX e em alguns lugares isolados exemplos de tentativa de priorizar a educação. Mais uma vez a generalização por meio do nunca acaba por enfraquecer o que está sendo dito.
O discurso dela é bastante coerente com a sua situação, a de uma pessoa em greve por melhoria salarial. Mas a questão da educação no Brasil, convenhamos, é muito mais ampla. Apenas para citar um pequeno detalhe: falta à quase totalidade das escolas públicas de Salvador área livre adequada para esportes e não há melhoria salarial dos professores que dê jeito nesta questão. A melancolia do vídeo é mesmo pensar que daqui a pouco tempo esta pessoa venha a estar completamente cooptada pela política, negando todo o vigor apresentado no vídeo.
Bem, ao menos a professora falou cerca de oito minutos sem cometer qualquer erro mais grave de português (admite-se na língua falada a substituição do para pela contração pra). Como ela mesmo esclarece, ela tem diploma de nível superior e é pós-graduada, não deveríamos esperar outro desempenho seu.
Agora à noite, recebi email contendo uma carta da Associação Nacional de Pós Graduandos que trata da confusão na distribuição de bolsas de pesquisa para pessoas com vínculo empregatício. Na referida carta, o verbo trazer na terceira pessoa do singular é grafado da seguinte maneira: trás. Minha primeira reação foi a de pensar que quem comete tal erro não deveria nem ter passado no vestibular, mas desde esta semana isso talvez seja preconceito linguístico.
A professora sem erros no seu discurso recebe um salário inferior às bolsas, às quais se pode ter acesso sem que se saiba conjugar o verbo trazer (e nem era no subjuntivo.....). Talvez esta situação funcione bem melhor como um retrato do país do que aquela descrita pela professora potiguar.
E não posso deixar de me perguntar: diante de pós-graduandos que não sabem conjugar o verbo trazer - e o fazem em forma escrita -, como encarar o livro do ministério da educação que relativiza "sociologicamente" erros gramaticais na fala? É para liberar geral e por fim a qualquer noção de regra para a comunicação através da língua? Ou será que é evidente que precisamos todos falar e escrever o português de maneira muito melhor, mais correta e precisa, ou seja, seguindo as regras da gramática?
Há frases onde a diferença entre um traz e um trás pode levar a erros de grandes dimensoes na compreensão da mensagem. Imagina algo semelhante na conversa profissional mantida por uma equipe médica na sala de cirurgia. Somente isso.

domingo, 8 de maio de 2011

perdendo códigos do coletivo

Era a primeira metade dos anos 70, porque lembro vagamente que meu pai ainda era vivo: aprendi que se o acrílico luminoso com a palavra TAXI sobre um automóvel estivesse aceso, signifcava que o carro estava livre e que você poderia acenar com a mão para indicar que você queria tomar aquele táxi; caso estivesse apagado, você que estava na rua à espera de um táxi podia ter certeza que aquele carro conduzia um passageiro e que não adiantaria levantar o braço.
O espaço urbano cheio de códigos coletivos parecia ser, para uma criança então, que aprende as três cores do semáforo antes de aprender a ler, um campo comunicativo cuja funcionalidade se dava através de uma série de luzes que acendem e apagam segundo regras específicas.
Hoje em dia em Salvador nenhum taxista segue este código - já perguntei a vários e nenhum sequer já tinha ouvido falar disso. À noite, você nunca sabe se um táxi está ocupado ou não, tem que acenar para todos, ainda mais porque a maioria tem os vidros escurecidos por película e você nem pode tentar advinhar se há alguém no interior do veículo além do motorista. Tudo muito grosseiro e desagradável, ficar na calçada acenando para todos os táxis.
Um código coletivo do espaço urbano que se perdeu. Deve ser consequência do esvaziamento do espaço: a cidade sem urbanismo é a cidade sem gente na rua e é a cidade sem urbanidade (no sentido que esta palavra tinha na segunda metade do século XIX).
Entre a população que ainda caminha na rua, você vê muita gente que anda com a ponta de um guarda-chuvas fechado voltada para o outro que caminha em direção contrária, ou gente que mantém a mochila às costas dentro do ônibus, dificultando quem quer passar adiante pelo corredor estreito. No rosto de ambos, a expressão de quem nem percebe que outra pessoa, por acaso no mesmo espaço que ele, é parte de um coletivo social. Tudo autônomo: como imaginar diante disso o luxo de um código qualquer, mesmo um binário? A lista de exemplos em escala decrescente do tamanho do coletivo seria imensa e terminaria na completa ausência de respeito e elegância do ambiente arquitetônico fechado usado por um pequeno grupo: quem fala ao telefone celular no cinema ou come em sala de aula são os ícones de tal comportamento.
A grade e o muro são pura ação: não é necessária nenhuma decodificação para entendê-los, basta experimentá-los, os organizadores básicos da supressão do coletivo, do público, do comum. E sem uma instância qualquer de coletivo, não há códigos. Assim parece funcionar tudo. Só o espaço urbano não funciona, só isso.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

5 de maio de 2011 ou sempre alerta

Os discursos dos ministros do STF em geral foram bons, o dia fica marcado como o de um grande passo em direção à igualdade, ao respeito, à dignidade e à liberdade. E este é um sentimento muito bom, mesmo que ainda haja muito por conquistar.
O que se precisa construir é uma sociedade onde ninguém tenha que sofrer somente por ter uma orientação sexual distinta da heteronormativa. E na qual os cidadãos sejam todos iguais perante a lei. O Supremo fez hoje uma parte importante.
Mas há que permanecer em alerta. O congresso nacional ainda poderia em tese reverter esta situação. O exemplo da Áustria nesta matéria é suficiente para que seja mantido o espírito de luta: depois de vários recursos na justiça do país, um casal homossexual conseguiu na suprema corte europeia que os direitos reconhecidos para os casais heterossexuais em união estável fossem estendidos aos casais homossexuais. Foi necessário uma ameça de sanção para que o congresso austríaco tomasse alguma providência. E quando ele o fez, foi da seguinte maneira: como a justiça impoe a igualdade dos direitos, então retiremos todos os direitos hoje reservados aos casais heterossexuais, deixando apenas ao casamento todo o conjunto dos direitos de família. Assim eles fizeram: todos em igualdade passaram a ter quase nenhum direito. A maldade não tem limite. E como o congresso brasileiro hoje é tudo menos progressista, há que se manter a vigilância.
Hoje a situação na Áustria mudou, já há parceria reconhecida pelo Estado em forma de documento desde 1 de janeiro de 2010. Mas ainda é um país muito distante da Espanha neste tema. Para o Brasil então, esta distância em relação à Espanha é a de um caminho muito longo.
Mas de qualquer maneira, desde ontem o Atlântico ficou menos largo.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Poema curto da cidade inchada

Agora que foi democratizada a lentidão para todos
agora que o usuário, o motorista e o cobrador de ônibus
vão ali acompanhados sem pressa pelo motorista e pelo carona
do automóvel particular
cada um dos moradores em salvador
está convidado a observar,
muitos pela primeira vez,
a feiúra de sua arquitetura. E como são feios estes prédios!
Antes era possivel fugir de detalhes sórdidos
ou de estranhas combinaçoes de material, desenho e proporção,
mas agora o engarrafamento amplia o seu incômodo
com esta anti-paisagem.
Aqui termina o poema da cidade inchada,
que como tal não é grande, é só inchada,
e por ser ela objeto de tal poema,
este se faz assim, sem poética, sem métrica, sem rima, sem nada de belo.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Lope de Vega no cinema

Ontem à noite fui assistir ao filme Lope, dirigido por Andrucha Waddington. O filme não é de todo ruim mas os primeiros adjetivos que podem ser usados para a produção que aborda um trecho da juventude do autor espanhol a finais do século XVI são pretensioso (já a cena de abertura com as perspectivas monumentais da marcha dos soldados é prova disso), ultraconvencional (com aquele gostinho de tentar parecer um filme norte-americano / inglês com história exótica no tempo e no espaço) e monocromático (ritmo da narrativa e cores na tela, aquela velha noção de um passado entre cinza e marrom).
O jovem poeta e seus amores, suas inconsequências, a exploração que ele sofre e seu amor pelo teatro: este esquema básico posto em uma ação previsível e controlada. Há um certo momento no filme onde é conseguido algo de tensão para o expectador, mas para logo cair no que se espera de um filme destes. O cenário da viela onde mora o poeta é sofrivelmente artificial - não adiantou ter posto tanto lixo no chão -, as pessoas são invariavelmente muito sujas, as cenas de sexo são supérfulas e não há como explicar o que faz Selton Melo no elenco de atores cuja língua materna é o espanhol, já que ele não consegue superar o seu forte sotaque brasileiro: existem n atores na Espanha que poderiam ter feito aquele papel.
O que de fato impressiona no filme é a convencionalidade, a repetição exagerada de padroes cinematográficos mais que batidos. À sensação de dêjà-vu segue-se aquela noção óbvia de que talvez há uns 20 ou 25 anos atrás este seria um filme interessante.
Nao consegui ver grande mérito neste trabalho. Menos ainda que justifique os famosos 1,3 milhão de reais para a produção de filmes para o blog de famosa cantora brasileira.

terça-feira, 5 de abril de 2011

preto homofóbico? Pode! Pode? Como assim?

ainda o caso bolsonaro: na semana passada o jornalista Ricardo Boechat leu email de um ouvinte, que se intitulou negro, neto, bisneto, tataraneto de escravos, e que defendia o direito de o deputado Bolsonaro dizer o que disse na famosa entrevista ao cqc. Boechat aproveitou este trecho do email para abrir um debate sobre a liberdade de expressão de idéias: o famoso jornalista construiu o argumento dizendo que nos EUA, apontados por ele como exemplo máximo de democracia, era permitido um partido nazista.
Mas depois disso, o jornalista seguiu com a leitura e o autor do email revelou a verdadeira razão da defesa "da liberdade de opinião": ele, como Bolsonaro, também não gostaria de ter um filho gay. Aí ficou tudo claro. Pena que o famoso repórter insistiu em defender "a liberdade de expressão como nos EUA."
Bem, as leis contra o racismo hoje no Brasil são bastante rígidas, o que é bom, e por isso hoje no país alguém pode se dar ao luxo de tratar uma declaração racista como parte do jogo democrático, da liberdade de opinião: afinal, ele sabe que não será difícil enquadrar alguém no crime de racismo.
Mas homofobia no Brasil não é crime. E diferente do racismo neste país, homofobia mata. E não somente mata: faz crianças e adolescentes sofrerem, inlcusive dentro da própria família (como bolsonaro e o ouvinte da rádio deixam entender). E todos sabemos do grande empenho de determinados grupos que tentam a todo custo no congresso nacional manter o direito de propagar o ódio e a discriminação, com graves consequências contra a população LGBT. Eu seria a última pessoa a não defender a liberdade de opinião, mas também seria a última pessoa a achar que o direito à liberdade de opinião está acima do direito à vida: permitir a homofobia no Brasil, mesmo disfarçada de liberdade de opinião, é ser conivente com assassinatos. Parafraseando uma antiga canção popular: "mas também sei que qualquer opinião (ou qualquer canto), é menor do que a vida de qualquer pessoa."
Eu nunca entendi a associação no Brasil da luta contra o racismo com a luta contra a homofobia. Acho que o ouvinte do programa de rádio do famoso jornalista é mais representativo do que o que se admite: muita gente que hoje encontra amparo nas leis contra o racismo nao vê problema algum em ser homofóbico. E se a situação fosse ao contrário, não seria diferente: caso houvesse leis que protegessem a população LGBT e nenhuma lei contra o racismo, uma boa parte não se importaria nem um pouquinho com o problema dos outros. 
Por fim, queria ainda mandar um recado para Boechat (eu sei que ele não vai ler este meu blog): diferente dos EUA - país onde o sistema vigente reduz todo o discurso político a uma dupla de partidos ligeiramente distintos e onde grupos que representam idéias minoritárias na sociedade têm uma imensa barreira para se fazerem representar no congresso -, na Alemanha, onde a representação política no parlamento é muito mais plural e democrática, a defesa de idéias nazistas é completamente proibida, sendo um crime grave previsto em lei. E os alemães sabem por quê. E isso não os faz hoje menos democráticos que os norte-americanos. De jeito nenhum.

sábado, 26 de março de 2011

eu só quero amor, amor, amor (impressoes da calourada 2011)

Não foi possível almoçar: saímos Any e eu da aula direto para o super calor de mormaço de meio-dia do estacionamento do PAF, onde encontramos Fábio com a montagem do stand de arquitetura já no lugar (que media 7m² a menos que o previsto, mas que ao menos era de esquina). Desdobramos a fita-painel para a posicao projetada, inserimos a primeira maquete (e as outras mais tarde quando Renata chegou), levantamos primeiro a divisória lateral, depois a do fundo, e passamos a tarde ali torcendo para a chuva nao cair, o que efetivamente aconteceu. O stand foi um sucesso, o que nos motivou ainda mais a ficar para os shows de a cor do som e otto.
Desmontados e devidamente despachados os painéis, começou no palco principal uma daquelas coisas chatérrimas que algumas pessoas fazem achando que está divertindo alguém, que demora muito tempo sempre e que ninguém precisa um dia na vida ter escutado. A banda de abertura, cujo nome não me lembro, não nos fez levantar das cadeiras de plástico que tomamos para nossas em um dos stands esvaziados.
Finalmente quando anunciado o show de A Cor do Som, fomos para perto do palco, tinha que ser ali para vê-los todos reunidos novamente depois de tanto tempo (para mim, pelo menos). E que show! Armandinho, como se ainda precisasse ser dito, mais uma vez mostrou porque é o maior instrumentista que esse lugar já teve ou terá, especialmente naquelas cançoes instrumentais ao estilo próprio influenciado pelo rock progressista dos anos 70. É claro que o ponto alto estava, para além de vê-los ali reunidos, nos super sucessos que mostram como pop um dia teve qualidade neste país: dentro da minha cabeça, beleza pura, zero, azul de jezebel. Além disso, é impossível não pensar e sentir o quanto a música de carnaval poderia ter sido nos últimos 20 anos, é essa lacuna imensa que retrofoguetes e baianasystem tentar superar com uma ponte de imenso vão sobre um mar de lama. Eu queria mais do show até agora (a propósito, para quem estiver em salvador, hoje tem mais, na ribeira).
Depois veio Otto, com seu jeito mondrongo-sensual de ser ao tirar a camisa, dar uma reboladinha e molhar o cabelo com água mineral: haja coreografia! Otto ao vivo é sempre uma coisa muito distinta das gravaçoes, o que já vale por si. O som meio desleixado, meio incongruente da banda tinha seu charme, esteticamente parecia ser aquilo mesmo o que o público queria, e nao era mal, apenas era muito contrastante com a perfeicao hard-baiano-rock-pop-glamour-carnaval de A Cor do Som momentos antes. Filosófico ao se dirigir aos universitários, Otto foi tocando um hit atrás do outro (meu preferido da noite: o celular de naná), e a platéia curtiu muito. Muito, muito bom.
Se o serviço do único bar tivesse sido melhor (atendimento mal humorado, bebidas quentes), a festa teria sido exemplar. Nada não, eu só quero amor, amor, amor, dentro da minha cabeça.

terça-feira, 22 de março de 2011

Do osso do inverno

Começou a chover em Salvador e fui ver O Inverno da Alma (Winter's bone), e nada poderia ser mais preciso para marcar tamanha distância entre as duas situaçoes. O Inverno da Alma - que se passa num inverno de verdade, e não em um outono de 31°C - é um dos filmes mais estadounidenses que já vi. Nao dá para chamar de norte-americano, pois seria muito difícil transpor o que o diretor tem na cabeça para o Canadá ou México.
Há momentos de certa angústia que fazem lembrar A tempestade de gelo, mas dois filmes não poderiam ser mais opostos.
Pense na idéia mais arcaica e rural e branca que você pode ter dos EUA e pense na devastação que as drogas podem fazer neste espaço social. O filme é, entre outras coisas, sobre isso. E lembre da idéia que os americanos têm sobre ser um povo eleito por deus (por quem, mesmo?), capaz de através de sua pureza vencer todos os obstáculos. O filme, se visto daí, assume ares de tragédia grega tomada para si pela nação estadounidense. Aí eu fiquei com medo. Porque o filme teria tudo para ser um excelente filme (fotografia, atores, trilha sonora, até mesmo o roteiro adaptado), mas o classicismo e a redenção ali são verdadeiramente assustadores. O filme pode ser duplamente apavorante.
Como podem ser tão ingênuos os filmes do sertão brasileiro.

sábado, 19 de março de 2011

obama no brasil ou pura poesia

Hoje tive a impresão que a questão central da visita de Obama ao Brasil eram os vestidos de Dilma e Michele. Não gostei de nenhum dos dois (dos primeiros, hoje pela manhã). E como não tenho muito interesse ou paciência por Obama ou Dilma, acho que dificilmente verei outros vestidos para poder comparar melhor. A grande sensação dessa visita pelo visto será mesmo a desistência do presidente dos EUA em falar em espaço público, aberto, à população do Rio. Depois de ele ter tomado banho no superpoluído Golfo do México, eu só ia sair da minha rotina para vê-lo no noticiário da TV se ele fosse tomar banho no piscinão de Ramos. Aí sim íamos ter o que falar.
Mas Obama chegou num momento muito atribulado da sociedade brasileira: graças a Maria Bethânia estamos todos muito ocupados com poesia, não dá para dar ao Mr. President a atenção que ele talvez merecesse. A poesia nos espera.

terça-feira, 8 de março de 2011

segunda de carnaval, entre a tv e o twitter

Ontem trabalhei mais que assisti ao carnaval na tv. Acabei vendo as três primeiras escolas de samba, até o toró cair sobre o Rio, mas estava mais concentrado no twitter, Diego enviando links para pesadelos arquitetônicos locais, coisas de quem tá em casa só esperando o carnaval passar. João enviando um site legal de defesa do FKK, onde você passa o mouse sobre a foto da pessoa vestida e ela aparece nua (dá a sensação engraçada de que ninguém usa roupa íntima).
Mas deu para se divertir com a tropa de elite gay e o relacionamento de king kong com monga, no salgueiro. Não vi pessoa que sambasse, era toda uma reprodução de coreografias de musicais do cinema, especialmente na glamourosa escada, mas samba mesmo, sei não. Já o que tinha visto à tarde do carnaval local era bem estranho: o cantor meu xará do psirico vestido de gueixa, mas nada cortês, querendo passar por cima da mudança do garcia. Foi o dia dos atrasadinhos apressados no carnaval. Era segunda-feira.

segunda-feira, 7 de março de 2011

domingo do carnaval de 2011 (em frente à tv)

Claro que não dá para ver as transmissoes de tv locais, ainda não pretendo cometer um atentado nem me suicidar. Assisti à transmissão da globo do carnaval da sapucaí, coisa que nunca havia feito e cuja razão era todo o hype ao redor de Paulo Barros (eu não estava aqui no ano passado).
A globo do rio parecia que tinha se inspirado na tv bahia: os repórteres de esporte com conceitos estéticos muito duvidosos (uma achou algo bonito porque era tudo do mesmo tamanho...) ou histerias incontroláveis. De qualquer forma, todos muito mal vestidos: a chefe da caixa de vidro estava fantasiada de marta do futebol e o homem que sempre está de paletó, tinha uma fantasia de homem maduro meio derrubado e mal vestido.
As pessoas que comentavam não diziam nada. E o pior foi o tratamento de coitadinha dado à Portela, escorria pieguice. Não entendo nada do carnaval do Rio (para mim é toda uma cultura muito distante, como se fosse algo assim da Índia, com regras que precisam ser estudadas e que nada tem a ver com o seu cotidiano: alteridade é a palavrinha), queria apenas ver o trabalho do carnavalesco da unidos da tijuca.
A primeira coisa que me impressionou foi uma certa dificuldade de edição de imagens ao vivo: os resumos nos telejornais funcionam bem melhor. As duas primeiras escolas passaram, a melodia dos sambas não se consegue perceber, os temas eram meio xoxos, e nao vi muita coisa interessante: aliás achei de gosto duvidoso a comissão de frente da imperatriz. Depois veio a portela, com aquela noção de usar as cores da escola nas fantasias que deve ser algo tradicional.
A transmissão da tv caprichou na expectativa com a unidos da tijuca. A comissão de frente foi mostrada à exaustão, tirando o tempo de transmissão das outras partes da escola. Ainda não entendi a relação entre o tema do medo e o cinema, que para mim parece ter sido o tema mesmo da escola (como se só sentíssemos medo no cinema, é isso?). Tudo muito elaborado, impacto visual e interpretação teatral, mas nada de samba, não vi ninguém sambando. As cores da escola, diferente da portela, eram como se não existissem. Além das cabeças cortáveis da comissão de frente (ou os repórteres da globo são muito burros ou eles fazem o público de burro, pois depois de ver duas vezes, qualquer pessoa podia sacar qual era o truque), os gorilas, o tubarão, freddy krüger, almas penadas, espantalhos, dinossauros, a mesa inclinada e móvel com bruxos (muito legal o efeito cênico do movimento), ali estavam ainda idiana jones, que ao menos sofre com algum medo nos filmes, e priscila. Não entendi. Quem tem medo de priscila? Os homofóbicos? Mas ela fica assim alinhada com os monstros e a pedra de que Indiana Jones fugia? Eu ainda estou com o "Como assim?" sem resposta.
Teatral, tudo era muito livre, em associaçoes e liberdade de expressão, mas o conceito era muito desarrumado, sem uma linha consistente de transcrição. O cara tem muita liberdade e criatividade, e se perde algumas vezes. O que foi aquela ala do cinema nacional? Aquele povo vestido de passeata era tão fora de tudo que vinha antes e que veio depois, com Zé do Caixão, que não há como inseri-lo no conjunto.
Fui dormir assim que Paulo Barros deu uma entrevista, super feliz, com razão. Mas tinha que pensar: "Quem tem medo de Priscila, a rainha do deserto?" Quem?

domingo, 6 de março de 2011

sábado do carnaval de 2011

Rogério e eu chegamos a conclusão que neste carnaval há duas novidades: os incontáveis mototáxis na av. centenário e as bolas quadradas no circuito, à frente dos blocos. Os primeiros causaram muito barulho, as segundas, assombro.
Ontem acordei muito cedo depois de dormir muito pouco: ao meio-dia estávamos eu Rogério e Roberto a caminho da praia, a minha primeira da época pós-barracas. Gostei, e nao foi pouco. Na praia a equipe de uma empresa que fabrica entre outras coisas máquinas fotográficas digitais fez uma foto nossa. E de todo mundo - que era pouca gente - que estava ali. A única coisa da praia pós-barraca é que os arremedos de barraca que lá estao cobram preços exorbitantes por qualquer coisa. E tudo parece meio clandestino, você até pode ter a sensação de estar fazendo algo ilícito. Divertido se não fosse caro.
Voltamos para almoçar e depois de descanso lá fomos nós de táxi-engarrafamento da garibaldi à barra avenida. Do cristo ao farol, vimos um trio que era melhor ter esquecido (logo isso será realidade, não é de preocupar) e como não sei a ordem exata, Parangolé passou, depois a Timbalada lotadíssima que ninguém podia dançar dentro das cordas e por isso o bloco muito, muito desanimado. Nao sei agora se já esqueci algo, mas antes de chegar ao Farol ainda veio Carlinhos Brown acompanhado daquela coisa asquerosa e inútil que sao aqueles três seres humanos pintados de azul: aquilo tudo era mais um evento publicitário do que um bloco de carnaval ou sei lá que nome brown dá àquilo: de qualquer forma, uma tristeza quando a publicidade toma conta de tudo e a coisa mesma torna-se secundária.
Na curva do farol passou um bloco de abadá amarelo, mas sabe lá que banda tocava. Só sei que tocava "minha pequena eva", como quase todo ano a "música mais tocada deste carnaval", o que dá um certo tom pós-moderno/restart/"eu sei lá de onde vem isso" à coisa toda. Esquisito. No farol estavam já todos, erámos quase os últimos. Vieram entao a mulher maravilha, o superhomem, batman, robin, e outros não-tão-super heróis lá em cima do trio. O que eles tocaram nem precisa dizer.
Eu também nao sei mais se ainda veio outro trio, só lembro de ver a ultrapassagem de fórmula 1 do trio de daniela contra um outro pouco antes do farol. Ela chegou mandando ver, mas a partir dali foi toda aquela coisa do teatro, um falatório desnecessário e sem fim, um saco! Moreno apareceu nessa hora e disse que ia logo embora.
Claro que descemos acompanhando, era o que tinha para fazer; perdi-me de todos, quando pude constatar mais uma vez que o dinheiro mais mal gasto em publicidade do governo é o da campanha para nao se fazer xixi na rua: vai fazer aonde pelo amor de deus????? Depois disso ainda encontrei vicente, reencontrei rogério e roberto, encontrei beto, breno, e depois me perdi de novo. Era hora de voltar para casa. Desta vez sem o milagre do ônibus. Carnaval agora talvez somente em 2012: ainda nao sei como é o calendário ano que vem.

sábado, 5 de março de 2011

sexta do carnaval de 2011

dormi muito pouco, o que já não é novidade; feijoada deliciosa na casa de Rogério, que simpatia de convite (e tem alguém mais querido neste mundo?); depois tentei descansar em casa, saí cedo, por volta das 19:00 horas para a Barra, caminhando até lá, claro. Muito calor, aquele vento úmido e pesado que não deixa dúvida que já é março.
Do que vi (ou não quis ver nem lembrar): Netinho ia chegando no cristo, com menos de um minuto dei a volta e passei pela outra rua. Depois Ivete, que fez as pessoas dançarem como sempre, mas que parecia meio cansada no burocratismo com que pronunciava palavroes. Na sequência, um trio com música eletrônica daquelas que tocam em qualquer boitezinha em salvador (para que pagar por isso no carnaval?). Depois veio a cantora lacttosa, cujo trio deve ser o único que tem a potência imensa dos trios de uns 15 ou 20 anos atrás: tapei meus ouvidos para a sua passagem (é verdade que faria o mesmo se fosse um radinho de pilha). Depois veio a banda do superman e da mulher maravilha (só isso mesmo) e o trio elétrico super comprido com a banda Jammil sobre ele (as pessoas até dançaram, mas nao é a minha....). Aí veio o Eva, que conseguiu o primeiro ponto alto da noite do Farol: todo mundo pulou.
Aqui e ali chuviscava, mas nada que ninguém quisesse perceber. Passaram ainda o homem que fala a língua da xuxa - é tao estranho que ele seja cantor, mas afinal estamos no fim do mundo - e uma banda toda fantasiada de árvore (ou aquilo que eu sem óculos achei que pareciam mais bem bananeiras que árvores) antes de Psirico, o grande show da noite (mas alguém precisa dizer a este meu xará que ele precisa falar menos, tá imitando brown demais nisso, o povo tá ali para dançar... e como dançou!). Deixei Ricardo lá esperando viviane trípodi (fetiche dele), mas antes disso veio a chuva e um trio com uma mulher cujo nome poderia ser usado em shows de transformistas. Fernando ainda disse numa crueldade sem fim que o nome dela  não tinha o L no meio.
João chegou depois da chuva, e logo depois deixei o carnaval. Ainda tive a sorte de um ônibus completamente vazio fazer um retorno à minha frente na centenário: nao precisei subir ladeira.

sexta-feira, 4 de março de 2011

no meio do carnaval

como acontece todo ano e de acordo com o que está publicado em famoso livro, já repetiram hoje na TV a mesma história deturpada. Por isso estou aqui apenas para reafirmar como as coisas aconteceram: sem Moraes Moreira, Luis Caldas, Sarajane, Paul Simon ou Chiclete com Banana, apenas para citar alguns, ninguém fora da bahia nunca teria prestado atencao aos tambores do pelourinho ou da liberdade. Foi assim que aconteceu, por mais que tentem negar.

quinta-feira, 3 de março de 2011

a violência como regra do jogo social

como vejo as coisas (sim, não sou sociólogo nem antropólogo): creio que herdamos, entre tantas, duas características estruturais dos nossos colonizadores ibéricos: um certo desprezo por tudo que é público (o xixi na rua como ícone) e a desconfiança como relação fundamental entre as pessoas e entre o estado e os cidadãos (a cultura da fotocópia autenticada).
Por aqui, em terras americanas, a violência foi acrescentada, e atua como expressão do irracional numa sociedade por demais pragmática, funcional (aquela que foi estabelecida com a exclusiva finalidade comercial). Aquela arquitetura super elementar de três vãos de porta iguais que é recorrente na chapada diamantina ou em minas gerais completa-se com a exploração dos escravos e o extermínio dos índios.
A violência é uma das nossas (significando aqui nós, os brasileiros) expressoes do irracional mais fortes e disseminadas: através dela nos relacionamos com frequência com o outro. Tão forte que nos grandes centros urbanos - que só surgiram por aqui em meados do século XX e que são um agravante de muita coisa em função simplesmente da densidade populacional - a violência tende a eliminar o convívio social: quem pode, estabelece a grade como separação, elemento cuja eficácia é condição mais que elementar para a moradia, trabalho e diversão da classe média.
Mas de vez em quando a classe média brasileira tenta ir conhecer o mundo lá fora, ver "a vida como ela é" e sai das suas blindagens, muitas vezes sem nenhum preparo para a coisa. E também sem nenhuma informação sobre a coisa. Na maioria das vezes caem no espaço sem lei criado por eles mesmos para os outros, o espaço regido pela violência, e se dão mal (não conheço estatísticas, mas este encontro entre público e privado que os chat rooms oferece tem levado a um sem número de crimes especialmente no brasil). Depois voltam pra casa (ou para os noticiários de tv e as mídias outras, porque eles sim têm acesso direto a tudo isso) e vão choramingar da violência, que "os outros" (que são eles mesmos) não os respeitam - de confiança nem falar - e que as regras (hahahaha) não foram cumpridas. A palavrinha chave é "Absurdo!"
Do seu discurso, fica claro que imaginam alguma transformação, mas também que querem passar por tudo sem dor ou sofrimento. O difícil é imaginar isso em um espaço regido menos pelas regras e mais pela violência.
Assim vejo os ciclistas atropelados em porto alegre. Bem vindo ao brasil que vocês criaram para os outros.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

odete roitman ni mim ou como assisti 3 vezes seguidas a "It's Kind of a Funny Story"

Tudo já começou no saguão do aeroporto em Munique, com brasileiras correndo com salto alto para ir ao banheiro mesmo estando com o cartão de embarque na mão, muito antes de qualquer chamada para o vôo a Lisboa. Bem, deste grupo de viagem, dois sentaram na fila exatamente atrás de onde eu estava sentado e, por azar meu, ao lado de um brasileiro que mora na Alemanha há alguns anos, resultado: conversaram todas as três horas até Lisboa em altíssimo volume sobre todas as banalidades que uma conversa desta pode ter: o cúmulo foi eles terem contado que, na noite anterior em um bar, o garçom tinha vindo pedir que eles falassem mais baixo. Eu quase me virei para dizer que desta experiência eles nao tinham aprendido nada, mas deixei pra lá, eles, o que eu queria ler e o tempo que eu queria cochilar.
Bem, já era quase de se esperar que o vôo seguinte, entre Lisboa e Salvador, não fosse muito diferente, contando com o acréscimo da típica fauna que vem ao Brasil para o carnaval: sim, lá estavam eles, os grupos de turistas italianos a busca de sexo com mulatas. Na fila para embarque, que já estava formada quando cheguei, tentava imaginar quem era o(a) solitário(a) que teria o assento com letra A ao lado do meu com letra B. Não consegui identificar ninguém que pudesse ser neutro o suficiente em comportamento para uma boa viagem; todos os meus medos se confirmaram: ao chegar ao lugar onde passaria as próximas horas, ali estava já uma profissional do sexo made in brazil que insistia em falar com os funcionários da TAP e comigo em francês (sim ela tentou, até que respondi em voz alta que ela falasse comigo em português, o que a fez calar). Se ficasse nisso, menos mal, mas cada movimento que ela fez era uma cotovelada que eu recebia. Com que alegria ouvi a mensagem do piloto ainda antes da decolagem que, graças aos ventos alíseos, o vôo iria durar uma hora a menos, o que realmente aconteceu.
Como a minha vizinha não conseguia usar os apetrechos eletrônicos e ela insistia em falar comigo em francês (olha, eu ouvi ela falar com as amigas em português do Brasil, acreditem em mim), então a solução foi por os fones no ouvido e pedir para não ser interrompido por causa do filme que estava passando (exatamente este tipo de gente que não vê problema algum em interromper a sua leitura, mas acha que um filme na TV tem que ser respeitado, "porque depois não passa de novo") e assim assisti duas vezes e meia o filme It's Kind of a Funny Story e metade do filme Secretariat, a história do cavalo mais rápido de todos os tempos.
It's Kind of a Funny Story tem Zach Galifianakis no elenco, o que em si já é um grande motivo para ver um filme. Sou fã. Mas o filme é muito bom, independente desta razão que me fez parar o seletor imediatamente ao vê-lo na tela. A partir de então, minha vizinha passou a ser apenas as cotoveladas. It's Kind of a Funny Story é daqueles filmes que mostram porque cinema está para os EUA assim como samba está para o Brasil: os outros podem tentar fazer, mas quem pode, pode. Ritmo, trilha sonora, inserção de desenhos, atuação do elenco, história e roteiro, o conjunto é montado com uma sensibilidade que mantém com maestria ficção e compromisso social (sim, isso mesmo) em um equilíbrio que não é fácil de conseguir (tudo aquilo que a globo faz da pior maneira possível com os temas didático-pedagógicos nas novelas das oito / das nove).
O filme conta a experiência durante pouco menos de uma semana de um adolescente que se interna voluntariamente em um hospital psiquiátrico para tratar tendências suicidas. O tema individual é muito bem inserido no espaço social do hospital e, ainda que o que podemos ver da reflexão pessoal do personagem principal talvez pareça pouco profundo, a perspectiva permanece a de um adolescente que, como diz uma das personagens, está ali acumulando experiência; super condensada, super intensa, super ágil, para caber em um filme. Emocionante, positivo e de bom humor, além de ser um filme daqueles que deveriam passar nas escolas, It's Kind of a Funny Story foi perfeito para me levar a outro lugar (nem aquele onde eu estava e nem aquele para onde eu estava indo).

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

sobre a famosa demissão no jornal do fim do mundo, o Vespertino

Arquitetos em Salvador vivem há décadas sob jugo do mercado imobiliário e ninguém diz ou faz nada em contra.
Há aqueles arquitetos que colaboram e sempre colabraram com o mercado imobiliário, como há jornalistas e jornais que também o fazem e sempre o fizeram.
Os que colaboram ostensivamente com o mercado imobiliário nao fazem coisa boa nem para a arquitetura nem para a imprensa, e principalmente nada de bom para a cidade.
Mas porque as pessoas escolhem uma opção de organização social (atraves das eleiçoes) que só dá mais peso ao mercado imobiliário?
Pois, os que votaram nos autores e empreendedores do Minha Casa, Minha Vida (lá dela), votaram pela possibilidade de demissão do jornalista de A Tarde. Uma coisa implica a outra. É assim.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

próximas eleiçoes

depois dos oito anos do governo lula, tive que resignar e aceitar que "ninguém, ninguém é cidadão", nem chegará a ser nos próximos tempos: a única condição política hoje de um brasileiro é a de consumidor: dinheiro, mesmo pouquinho, que dê para comprar uma falsa máquina de lavar (o nacionalíssimo tanquinho), este é o único elemento que dá lastro a alguma nossa definição coletiva.
Daí que já tenho definido a quem darei meu voto nas eleiçoes para presidente daqui a quatro anos: voto em quem prometer trazer para o Brasil - e não somente para Rio e São Paulo - filiais do IKEA e do H&M. Para a felicidade da nação!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

calatrava jamais

Hoje fiz mais de 200 fotos de um edifício horroroso, o impacto foi tamanho que nao consegui parar de fotografar; sim, com intençoes didáticas de tentar guardar ao máximo a impressão de como uma arquitetura não deve ser: trata-se de um shopping center combinado com edifício de escritórios, em Oviedo, Espanha, de autoria de Santiago Calatrava.
Ter estado diante deste edifício hoje me fez entender muitas coisas: as críticas européias à obra de Niemeyer nos anos 50, o fantasma da tipologia que assombra e nina a arquitetura desde os anos 60 e o erro que é tudo aquilo que pode, ou melhor, precisa ser entendido sob a epígrafe "late modern".
É estranho diante de tal coisa ainda entender a arquitetura como algo que passa por um processo decisório coletivo bem amplo antes de ser construída, pois aquilo parece vontade exclusiva do arquiteto que a projetou; em outras palavras: ninguém de bom senso esteve ali envolvido para evitar aquilo?
O edifício em questão pode ser entendido muito simplesmente: desperdício, desperdício, desperdício. Um horror.
E tive que pensar no Rio de Janeiro: alguém precisa fazer com que o tal museu na beira do mar não venha a ser construído; para o bem da cidade, que já sofre tanto com uma insanidade musical-arquitetônica na Barra. Niguém merece dose dupla do que não presta.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Gonzalo Rubalcaba Trio, Konzerthaus, viena, 30 de janeiro de 2011

Jorge Schwartz, de passagem por Viena, nos convidou para o show de Gonzalo Rubalcaba, de quem não conhecia nada. Noite super fria em Viena, fomos buscar Jorge no hotel, dali ao Café Schwarzenberg - obrigatório para o público antes dos concertos - e meia hora antes do início do show, ao Konzerthaus; impossível entrar neste prédio e não pensar em Jelinek e Haneke (alguém aqui poe a mão no bolso do casaco sem medo?). Bem, Jorge ficou impressionado já na bilheteria, pois os ingressos foram entregues apenas com a cópia do email, sem que houvesse sido pedido qualquer documento de identificação. É a cidade onde não há nenhuma barreira física de acesso aos transportes públicos, lembrem-se.
Konzerthaus lotado, o trio (piano, baixo e bateria) entra já aplaudido e começa o show de jazz tão atemporal, tão americano, que o que tinha de "ritmo" na bateria me fez lembrar os discos de João Carlos e Victor Assis Brasil que conheci no início da década de 1980. Bem, este não é o tipo de música que escuto, mas eles foram muito, muito profissionais nesta modalidade cujo brilhantismo deve estar na perfeição de fazer parecer improviso o que é extrema e detalhadamente ensaiado. Técnica acima de tudo a serviço de uma música bem "desestruturada".
Uma pequena parte do público começou a sair depois da terceira música, mas devem ter sido os que compraram ingresso para "um show de um cubano" sem saber o que iam escutar, pois os que ficaram até o final aplaudiram entusiasticamente, e ganharam dois bis: o show programado para pouco mais de uma hora chegou a duas horas de duração.
Foi muito interessante, ainda que minha cota deste tipo de jazz esteja preenchida para os próximos tempos. Na saída, nenhum sinal de cacos de vidro. E rumo ao Savoy!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ditado bosníaco ou uma versão europeia de um ditado baiano

Esta semana finalmente encontrei com Mladen, o amigo da TU da época que estudei aqui em Viena. Mladen é professor no instituto de tecnologia e construção na faculdade de arquitetura e comentando com ele sobre a palestra do Mr. Big em Munique, ele falou que todo este mundo das estrelas da arquitetura se explica através de um ditado bosníaco, que diz o seguinte:
Um pai, veterano ladrão de cofres de bancos, leva o filho pela primeira vez para acompanhá-lo em seu ganha-pão. Como é a sua primeira vez, o filho está muito nervoso, tem muito medo da polícia, sua frio, olha para todos os lados, e não consegue se concentrar direito para aprender o ofício. O treinamento se repete por mais algumas vezes, e o nervosismo do filho sequer diminui. Um tanto irritado, lá pela quinta ou sexta vez em que o filho o acompanha, o pai lhe diz seriamente: "olha, não procure atrapalhar as coisas, nós fazemos aqui o nosso trabalho, e a polícia faz lá o trabalho dela!"
De minha avó, que conhece muitos provérbios, ditados e expressoes, já ouvi repetidas vezes uma variação mais econômica e bem brasileira da mesma ideia do provérbio bosníaco: "eles são brancos, eles que se entendam."

sábado, 22 de janeiro de 2011

bjarke ingels (o Mr. BIG) em munique, 20 de janeiro de 2011

Foi Diego, super fã, que me chamou a atenção para a data do evento, um dia antes da longa noite de arquitetura em Munique; escrevi para Gabriela, que está fazendo intercâmbio na TUM, e marquei para nos encontrarmos antes para um café, e graças a ela cheguei na hora certa (havia confundido com o horário da abertura da exposição, às 20:00). Antes de ir à TUM, passei na livraria da Architekturgalerie e comprei o livro de Bjarke, yes is more.
Chegamos alguns minutos antes da hora marcada, às 18:30, o Audi Max que logo depois viria a lotar recebia cada espectador com um pequeno envelope fixado na mesa à sua frente: dentro, um comercial em forma de pequeno libreto na mesma linguagem e artefinal de yes is more da empresa de tintas patrocinadora do evento.
Após a apresentação um tanto deslumbrada, um tanto insegura feita pela decana da faculdade de arquitetura, Bjarke Ingels começou sua apresentação em inglês visivelmente nervoso, quase gaguejando diante da numerosa platéia (poucos estudantes de arquitetura da TUM devem ter faltado ao evento), mas somente para depois de quinze minutos demonstrar a segurança do mais novo superstar da arquitetura, que fecha contratos com os políticos poderosos mundo afora. Aos 37 anos.
A imagem de abertura não poderia ser outra que não a de uma animação sobre o reaproveitamento dos recursos naturais feita com os já legendários ícones a la apple que se tornaram uma marca da arquitetura-BIG e que puxou o conhecido mote de que a sustentabilidade não precisa ser sofrida e sim tem que dar prazer.
Com um talento de comunicação inquestionável - inclusive por ser capaz de prender a platéia com uma palestra que ele já deve ter repetido algumas vezes - Bjarke foi comentando seus projetos realizados mais conhecidos (entre eles pavilhão dinamarquês na exposição de Pequim, the mountain, infinity loop) e outros ainda em desenvolvimento (o scala tower, um museu para a capital do cazaquistão, the housing bridge, edifício de apartamentos para o river front em Nova Iorque etc), alternando excelentes animaçoes com fotomontagens de qualidade não menor. Destaque para as 97 maquetes de ideias distintas para a realização do projeto da scala tower e para a pista de esqui proposta como teto da usina de energia no porto de Copenhague.
Em alguns momentos a simplicidade e o frescor com que os projetos foram apresentados faziam lembrar um estudante diante de professores apresentando um TFG, mas ainda assim prevalecia os novos ares da arquitetura internacional que parecem tão distantes da universidade e da produção de arquitetura brasileiras: a obra do BIG, apresentada em conjunto e com tanta vivacidade, é um novo vigor em grande escala do rejuvenescimento trazido pelo MvRdV há mais de quinze anos, apimentado com estratégias de big player aprendidas no OMA.
Os projetos foram apresentados em todo o seu processo de concepção, com base em uma experimentação livre, contínua e investigadora, ainda que os critérios de seleção das ideias não tenham sido explicitados com a mesma clareza (Darwin aparece na palestra e no livro como uma referência).
Em algum momento ficou claro que uma parte significativa do sucesso de Bjarke Ingels está no seu talento como homem de negócios, muito além da arquitetura e muito independente dela. Tenho a impressão que se ele estivesse na informática, estaria concorrendo com facebook e google, ou seria um dos donos destas empresas. Ao mesmo tempo, não pude deixar de fazer um paralelo com o sucesso comercial de Sidney Quintella: mais uma vez para verificar o quanto os contextos culturais, a modalidade de ação dos construtores, cultura dos usuários e distintas formaçoes acadêmicas acompanham compreensoes distintas da arquitetura. Os resultados estão aí para comprovar esta tese.
Aqui e ali uma pequena pitada de arrogância, mas nada demais, normal até para quem tão jovem já construiu tanto e tem tanto sucesso. E no fundo havia o lado positivo de não ser uma típica palestra onde arquitetos falam mais do que não construiram, normalmente num tom melancólico-negativista.
Super aplaudido no final, Bjarke e a universidade convidaram para a abertura da exposição em seguida, na pequena Architekturgalerie, para onde todos os presentes foram curtir a cerveja de graça no pátio, sob forte nevada. A exposição, é óbvio, não dava para ser vista nestas condiçoes. Voltar para ver com calma.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Me leve a qualquer lugar: Tennis, ao vivo em Munique, 14 de janeiro de 2011

"muito, muito obrigado. A nossa banda existe há apenas 8 meses e nós temos 13 cançoes e já as tocamos todas hoje à noite, infelizmente não temos nada mais para tocar! Muito, muito obrigado": com mais ou menos estas palavras Patrick Riley, guitarrista da banda Tennis, retornou ao palco ontem à noite para agradecer os aplausos e se desculpar por não poder oferecer um bis. Não deixou de ser um charme, mas para um repertório deste tamanho é a única atitude correta depois de um show de pouco menos de uma hora que foi incrível de tão emocionante, vigoroso, e dançante (no Brasil teria sido um show dançante, tenho certeza, mas na Alemanha...).
Os três subiram ao palco do clube 59:1 sem nenhum alarde pouco antes das 22:00 horas e as cerca de 200 pessoas da plateia se aglomeraram à frente da banda, que abriu o show visivelmente nervosa, cumprimentando a platéia apenas depois do primeiro número, Take me somewhre, também primeira do disco. Na seqüência das cançoes, Alaina, vestida em um conjutinho escuro de saia e blusa justos que a levaria a ser confundida no Brasil com uma testemunha de jeová, foi soltando cada vez mais a voz - aqui e acolá, ao vivo, você pode lembrar da voz de Cindy Lauper - e entre um refrão e outro, durante os solos de Patrick, ela dançou alucinadamente como se fazia nos anos 60, tão fiel à época como a sua música o é à surf music.
Entre uma canção e outra, as explicaçoes de como foram escritas ou sobre o texto, sem deixar de lado as quase ingênuas, quase teatrais histórias sobre o tempo que passaram velejando. E um sorrisinho nervoso de quem pode beirar o histerismo. Adorei.
O som da banda ao vivo é muito mais forte e limpo que as gravaçoes do cd sugerem (ali tem um efeito vintage talvez exagerado) e os vocais muito mais soltos, o que já se pode ver nas faixas do daytrotter. James Barone, o baterista, manda muito, preenchendo com bastantes variacoes o pano de fundo, Patrick é muito bom guitarrista - e tocou algumas cançoes de maneira bastante distinta das gravaçoes - e Alaina comanda tudo com seu teclado que faz as linhas do baixo e alguns solos (dez para a mudança de velocidade na introdução de South Carolina). Não deixa de parecer que o teclado é o novo auxílio luxuoso depois da formação guitarra-bateria de alguns anos atrás.
South Carolina é até agora a minha preferida, com o inesperável verso the little ilands lees, e foi muito, muito bom ouvi-la ao vivo, mas o público vibrou mesmo com o "hit" da banda, Marathon. Foram muito aplaudidos durante toda a noite e não foi possível disfarçar a empolgação e a crescente segurança no palco, bem de quem está começando. Super legal.
Terminado o show, como Patrick voltou ao palco e dali não saiu mais, conversando uma ou outra coisa com as pessoas, fui ao balcão onde vendiam cds, comprei um e fui até ele para pedir um autógrafo, que ganhei com direito a dedicatória e tudo (e com uma letra a mais no meu nome). Fui embora feliz.
Ao vivo, Tennis mostra porque em tão pouco tempo já faz sua primeira turnê européia; redondinhos na realização de uma estética, mostram que podem mais que isso. Que venham outros ventos. E que viva a internet e o daytrotter.
PS o clube 59:1 é um lugar bem interessante, passando por Munique, vale a pena conferir a programação.

comprados desde dezembro

de tênis ao show de Tennis

o autógrafo

domingo, 9 de janeiro de 2011

pausa sobre salvador

Nesta semana que passou as críticas ao prefeito e à cidade de Salvador têm se multiplicado: Michele, in-digna-díssima, pôs a boca no trombone e Fábio indicou um blog chamado Salvador Caótica, com um texto muito bom sobre a cidade, ambos no twitter. Assino em baixo de tudo o que Michele falou, com toda a razão, e não é possível discordar do texto do Salvador Caótica. Mas por mais que eu não veja razão prática para outra coisa senão a crítica, minha empolgação se manteve contida.
Nestes primeiros dias do ano a imprensa oficial - a financiada através de propaganda pelo governo estadual - destacou com um vigor fora do comum a desaprovação das contas da prefeitura e os protestos dos "estudantes organizados" contra o aumento da passagem de ônibus. Dá para não ser contra a atual prefeitura?
Difícil. Mas desde que o governo do estado através de seu órgão que cuida dos recursos hídricos tentou atrapalhar a obra de tapamento do rio no Imbuí pouco tempo depois de ter aprovado sem restriçoes a obra de tapamento do rio da Avenida Centenário - estando entre os dois tapamentos, o "grande evento político" do rompimento da aliança entre o grupo que está à frente do estado da bahia e o grupo que está a frente da prefeitura - percebi que estávamos à porta de uma situação velha conhecida na cidade.
Tal clima estava presente na entrevista da atual presidente do país quando, em visita a Salvador para o início das obras dos viadutos e avenidas que partindo da rótula do abacaxi chegam ao porto destruindo e enfeiando mais a cidade, ela afirmou que para esta obra ela garantia que não faltaria recursos, em uma clara referência ao metrô, obra na qual a prefeitura está envolvida.
No dia 22 de dezembro passado, há pouco mais de duas semanas, presenciei no Rio Vermelho às 21:30 o roubo de um automóvel: rua cheia de gente, muitos carros estacionados, e os ladroes tiveram toda a calma para diante de umas 20 pessoas tomar a chave da mão da dona do carro, entrar, ligar o carro e sair. Nenhum policial ao redor, até Ondina, direção que tomamos depois de deixar imediatamente o Rio Vermelho.
Estou seguro que tudo isso não vai mudar até o dia das eleiçoes para prefeito, ao contrário, só deve piorar. A história ensina: assim o fez ACM com Lídice, quando ela era prefeita. Quem vive em Salvador hoje percebe há muito tempo o que está acontecendo de novo.
Por isso cada crítica hoje tem o potencial de ajudar quem estrangula a cidade. Quem foi aliado durante anos do atual prefeito e antes não via problema algum em sua gestão. Até achou lindo o tapamento do rio da Centenário.
Tenho um pequeno trabalho acadêmico sobre Salvador para publicar e queria ainda escrever aqui uma pequena comparação dos preços dos transportes públicos. Mas estou me decidindo a não tecer mais nenhum comentário crítico sobre a cidade até o dia da eleição para prefeito.