quarta-feira, 27 de abril de 2011

Poema curto da cidade inchada

Agora que foi democratizada a lentidão para todos
agora que o usuário, o motorista e o cobrador de ônibus
vão ali acompanhados sem pressa pelo motorista e pelo carona
do automóvel particular
cada um dos moradores em salvador
está convidado a observar,
muitos pela primeira vez,
a feiúra de sua arquitetura. E como são feios estes prédios!
Antes era possivel fugir de detalhes sórdidos
ou de estranhas combinaçoes de material, desenho e proporção,
mas agora o engarrafamento amplia o seu incômodo
com esta anti-paisagem.
Aqui termina o poema da cidade inchada,
que como tal não é grande, é só inchada,
e por ser ela objeto de tal poema,
este se faz assim, sem poética, sem métrica, sem rima, sem nada de belo.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Lope de Vega no cinema

Ontem à noite fui assistir ao filme Lope, dirigido por Andrucha Waddington. O filme não é de todo ruim mas os primeiros adjetivos que podem ser usados para a produção que aborda um trecho da juventude do autor espanhol a finais do século XVI são pretensioso (já a cena de abertura com as perspectivas monumentais da marcha dos soldados é prova disso), ultraconvencional (com aquele gostinho de tentar parecer um filme norte-americano / inglês com história exótica no tempo e no espaço) e monocromático (ritmo da narrativa e cores na tela, aquela velha noção de um passado entre cinza e marrom).
O jovem poeta e seus amores, suas inconsequências, a exploração que ele sofre e seu amor pelo teatro: este esquema básico posto em uma ação previsível e controlada. Há um certo momento no filme onde é conseguido algo de tensão para o expectador, mas para logo cair no que se espera de um filme destes. O cenário da viela onde mora o poeta é sofrivelmente artificial - não adiantou ter posto tanto lixo no chão -, as pessoas são invariavelmente muito sujas, as cenas de sexo são supérfulas e não há como explicar o que faz Selton Melo no elenco de atores cuja língua materna é o espanhol, já que ele não consegue superar o seu forte sotaque brasileiro: existem n atores na Espanha que poderiam ter feito aquele papel.
O que de fato impressiona no filme é a convencionalidade, a repetição exagerada de padroes cinematográficos mais que batidos. À sensação de dêjà-vu segue-se aquela noção óbvia de que talvez há uns 20 ou 25 anos atrás este seria um filme interessante.
Nao consegui ver grande mérito neste trabalho. Menos ainda que justifique os famosos 1,3 milhão de reais para a produção de filmes para o blog de famosa cantora brasileira.

terça-feira, 5 de abril de 2011

preto homofóbico? Pode! Pode? Como assim?

ainda o caso bolsonaro: na semana passada o jornalista Ricardo Boechat leu email de um ouvinte, que se intitulou negro, neto, bisneto, tataraneto de escravos, e que defendia o direito de o deputado Bolsonaro dizer o que disse na famosa entrevista ao cqc. Boechat aproveitou este trecho do email para abrir um debate sobre a liberdade de expressão de idéias: o famoso jornalista construiu o argumento dizendo que nos EUA, apontados por ele como exemplo máximo de democracia, era permitido um partido nazista.
Mas depois disso, o jornalista seguiu com a leitura e o autor do email revelou a verdadeira razão da defesa "da liberdade de opinião": ele, como Bolsonaro, também não gostaria de ter um filho gay. Aí ficou tudo claro. Pena que o famoso repórter insistiu em defender "a liberdade de expressão como nos EUA."
Bem, as leis contra o racismo hoje no Brasil são bastante rígidas, o que é bom, e por isso hoje no país alguém pode se dar ao luxo de tratar uma declaração racista como parte do jogo democrático, da liberdade de opinião: afinal, ele sabe que não será difícil enquadrar alguém no crime de racismo.
Mas homofobia no Brasil não é crime. E diferente do racismo neste país, homofobia mata. E não somente mata: faz crianças e adolescentes sofrerem, inlcusive dentro da própria família (como bolsonaro e o ouvinte da rádio deixam entender). E todos sabemos do grande empenho de determinados grupos que tentam a todo custo no congresso nacional manter o direito de propagar o ódio e a discriminação, com graves consequências contra a população LGBT. Eu seria a última pessoa a não defender a liberdade de opinião, mas também seria a última pessoa a achar que o direito à liberdade de opinião está acima do direito à vida: permitir a homofobia no Brasil, mesmo disfarçada de liberdade de opinião, é ser conivente com assassinatos. Parafraseando uma antiga canção popular: "mas também sei que qualquer opinião (ou qualquer canto), é menor do que a vida de qualquer pessoa."
Eu nunca entendi a associação no Brasil da luta contra o racismo com a luta contra a homofobia. Acho que o ouvinte do programa de rádio do famoso jornalista é mais representativo do que o que se admite: muita gente que hoje encontra amparo nas leis contra o racismo nao vê problema algum em ser homofóbico. E se a situação fosse ao contrário, não seria diferente: caso houvesse leis que protegessem a população LGBT e nenhuma lei contra o racismo, uma boa parte não se importaria nem um pouquinho com o problema dos outros. 
Por fim, queria ainda mandar um recado para Boechat (eu sei que ele não vai ler este meu blog): diferente dos EUA - país onde o sistema vigente reduz todo o discurso político a uma dupla de partidos ligeiramente distintos e onde grupos que representam idéias minoritárias na sociedade têm uma imensa barreira para se fazerem representar no congresso -, na Alemanha, onde a representação política no parlamento é muito mais plural e democrática, a defesa de idéias nazistas é completamente proibida, sendo um crime grave previsto em lei. E os alemães sabem por quê. E isso não os faz hoje menos democráticos que os norte-americanos. De jeito nenhum.