quarta-feira, 21 de setembro de 2011

o dia em que machado de assis virou afro-brasileiro

um banco disse hoje que o único escritor que provavelmente tem o porte de ser "nacional" é afro-descendente e que por isso um ator branco não poderia representá-lo em uma peça publicitária sua. eu digo que machado de assis tinha uma mãe que nasceu nos açores, lugar de onde também veio para o brasil o meu avô, daí, eu digo que machado e eu somos também "açores-descendentes".
A açoriana pobre - como o meu avô, que veio criança fugindo da fome em portugal - logo se juntou aos da terra, misturando mais ainda o que já era misturado, dando caldo a isso que é (ou era até uns dez anos atrás) o brasil. depois vieram japoneses, poloneses, judeus russos, judeus alemães, italianos, galegos da espanha, mais portugueses, sírios, libaneses. Qualquer filho ou neto de qualquer um destes imigrantes assimilados, como foi imigrante a mãe de machado, poderia interpretá-lo em um filme. Ou seria a mãe menos importante que o pai?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Enfim arquitetura na cidade: o palco articulado para o Pelourinho

A idéia arquitetônica do palco articulado no largo do Pelourinho é ao mesmo tempo um gesto de reconhecimento do coletivo, de compromisso urbano e de um acerto ímpar.
É o reconhecimento ao impulso coletivo de maior importância que atuou contra o longo e duradouro processo de abandono e arruinamento do centro histórico da cidade, que foi o da música dos blocos afro e afoxés. É o gesto de arquitetura correspondente a uma interpretação otimista do pulsante movimento social mais importante para a reversão do valor daquele espaço para o coletivo da cidade, do país e do mundo e cuja expressão mais evidente, há cerca de duas décadas atrás, era a música.
É o compromisso urbano – arriscado – de completude física de uma estrutura que apresenta lacunas incompatíveis com a configuração do lugar e – preciso – de qualificação material das atividades coletivas que acontecem no espaço público. Diferente das aberturas das chamadas “praças” no interior dos quarteirões, o desenho aqui é de preenchimento de um vazio causado por arruinamento através de um equipamento de qualidade técnica que, ao mesmo tempo em que substitui as estruturas efêmeras, confere sentido ao uso do espaço para shows, situando a platéia corretamente na declividade do largo.
É o acerto inteligente de quem, ao desenhar a arquitetura, é capaz de articular os distintos elementos constituintes do programa e respondê-los com uma criação estonteantemente simples e inesperada, instituída do vigor que redimensiona e qualifica as atividades a que deve servir ao passo em que é capaz de apenas deixá-las acontecer sem ingerências, descaracterizações ou desvios.
O projeto do Prof. Pasqualino Magnavita congrega, para além destas qualidades, uma acurada relação entre as áreas de apoio do palco e o palco propriamente dito, uma atualização cultural através da inserção dos elementos de tecnologia contemporânea e uma urgente contribuição à arquitetura na cidade.
Os distintos níveis de acesso dos três imóveis que anteriormente ocupavam a área da atual lacuna são cuidadosamente integrados na solução que permite um flexível acesso ao palco a partir das áreas de camarim e apoio, em um intrincado jogo de articulação de níveis e separação de usos com distintos volumes, e que continuam a abrigar no seu térreo o uso atual da área. Associada à tecnologia relativamente simples que permite o novo edifício tornar-se palco ao deslizar por sobre a ladeira do Pelourinho, foi desenvolvida uma fachada que sublinha a efemeridade e a mutabilidade da música através de um divertido conceito de iluminação e de variação dos seus elementos, criando outro plano de conexão com o tema. 
Por fim, é necessário que se diga que com o palco articulado as diversas apresentações musicais na área do Pelourinho – que através da infra-estrutura garantida pelo palco poderão ter seu leque ampliado para o teatro, dança ou música erudita – terão a chance de poder contar com uma base organizada, cuja conseqüência mais imediata será a da redução do impacto de uso, através da possibilidade da racionalização da pauta de shows no espaço físico do bairro e decorrente da interpretação da configuração da praça.  É assim que, do ponto de vista acústico, devido exatamente à inversão, estabelecida pelo palco articulado, da posição relativa palco-platéia, deverá ser possível inclusive uma redução da amplificação sonora nas apresentações que ali vierem a acontecer. Em ambas as situações, os edifícios antigos poderão ser beneficiados.
Sem deixar de afirmar e reinventar o tempo duradouro da cidade enquanto arquitetura, o projeto do palco articulado do Pelourinho desvincula-se do tempo de hoje – no sentido mais exato da expressão, até mesmo por ter sido concebido há mais de vinte anos sem nada ter perdido de seu vigor – sem vacilar em nostalgia ou sisudez diante de tamanho desafio. Em meio aos edifícios mais antigos da cidade, a opção de um desenho acertadamente contemporâneo marcado pela leveza e certa ironia a partir de molduras tão rígidas é um bálsamo. A arquitetura na cidade agradece.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O palco para a cidade

foi publicado hoje, 6 de setembro, no jornal A Tarde um artigo que escrevi sobre o palco articulado para o Pelourinho, projeto de autoria de Pasqualino Magnativa.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

a árvore da vida, o filme

O filme tem a pretensão comum em filmes de Wim Wenders, por exemplo, o que é ruim. O filme tem uma fotografia belíssima, como nos melhores momentos da produção visual feita nos Estados Unidos nas últimas quatro décadas. O filme tem edição e atuaçoes impecáveis, e ele nos ensina que os melhores atores do mundo serão sempre crianças norte-americanas.
E o filme é também sobre escalas, arquitetura e design. Ritmo narrativo e fragmentação recompoem de maneira excelente a ansiedade com a memória da vida.
Ainda não sei o quanto gostei; já sei que este filme não sobreviverá bem ao tempo. Vive de impacto, tem texto autônomo em excesso; como um filme de Wenders.