sábado, 30 de junho de 2012

Um mês em greve


Hoje faz um mês que tive uma conversa de mais de duas horas com os estudantes em sala de aula, informando-os sobre as razões da greve que naquele momento se iniciava. De acordo com a decisão da assembleia de professores ocorrida na tarde anterior, no dia 29 de maio – e à qual não pude comparecer em virtude de a data ter sido mudada de última hora, fazendo com que a assembleia acontecesse no mesmo horário em que recuperávamos três pré-bancas de TFG que haviam sido remarcadas em função da greve dos rodoviários na semana anterior –, a greve estava instalada por melhores salários, um novo plano de carreira e melhores condições de trabalho.
Razões suficientes para a greve não precisariam ser explicadas aos estudantes: as condições em que as aulas de atelier II acontecem na sala 9 da Faculdade de Arquitetura, o local daquela conversa, falam por si. Por inércia, comodidade ou resignação é que se pode admitir que aulas de projeto de arquitetura sejam ali ministradas para um grupo de mais de 30 estudantes, em uma sala onde não caberiam mais que 20. Os motivos para esta letargia são muitos, mas não há dúvida que os mais recentes são os mais preocupantes.
Nos primeiros dias de greve, a direção do sindicato dos professores da UFBA deixou bem claro que tudo o que ela (não) havia feito nos dois anos passados de negociação da categoria com o governo revelava o quanto eles estavam comprometidos em defender mais os interesses do patrão do que os dos professores. Diante da crescente adesão à greve no país e da importância da representação sindical para qualquer categoria – posta em total descrédito por esta atuação da diretoria da APUB – não tive dúvida de me engajar pessoalmente na construção da greve. A grande mobilização de pessoas dispostas a lutar por melhores condições de trabalho e a assembleia do dia 26 de junho são grandes eventos em prol da recuperação das dinâmicas reivindicatórias dentro da Universidade. E além dela.
É por isso que as questões relacionadas a esta greve podem ser compreendidas a partir de três esferas imbricadas uma na outra, porém distintas. A primeira delas envolve as questões que unem a pauta nacional de reivindicações, mas que efetivamente são vividas na escala do individual: seja no salário mensal com um poder de compra em declínio vertiginoso, seja na janela quebrada, na ausência de um ventilador (nem pensar em ar condicionado), na inexistência de um escritório de trabalho ou de verbas e condições adequadas para a manutenção do acervo da biblioteca, entre várias outras mazelas vivenciadas cotidianamente.
A segunda delas diz respeito a uma virulenta necessidade de ampliar os processos de democratização na universidade, concretizadas na expressa ansiedade por uma criteriosa avaliação da recente expansão de ofertas de vagas que ocorreu sem o devido planejamento e que teve como consequência a precarização do trabalho dos docentes e dos funcionários técnico-adminstrativos, por uma maior transparência nas contas das fundações, por uma revisão das relações intra- e extrainstitucionais, o que não deixa de atingir a própria atuação do sindicato.
A terceira destas esferas agrupa questões mais amplas, que dizem respeito à situação do país atualmente, canalizando uma grande insatisfação com a destinação dos investimentos públicos (copa do mundo X educação e saúde), por uma reversão fundamental de uma tendência ao aparelhamento político do Estado, pela necessidade de reinserção de uma postura crítica de base diante do cenário político institucionalizado e pela defesa dos direitos trabalhistas; nesta esfera a greve dos docentes universitários é um movimento que vem se juntar à grande luta dos professores do Estado da Bahia, em greve há 80 dias.
Nestas quatro semanas pude testemunhar um movimento surgir com toda a força e se articular para enfrentar as questões imediatas e estruturar o enfrentamento das mais amplas, a partir de objetivos reconhecidos como importantes para o bem comum da categoria. Para quem está fazendo parte desta mobilização, indo às assembleias dos professores, participando das reuniões em suas unidades, é claramente reconhecível o surgimento de uma multidão dentro da universidade, que age nos moldes daquela descrita por Negri e Hardt em seu famoso livro, catalisada por um evento, volátil em sua constituição. A multidão, que tomou corpo no espaço da assembleia do dia 29 de maio, neste caso, é assim percebida também por estar composta em sua grande maioria por novos professores da universidade, que, guardando suas heterogeneidades, como grupo, ainda não havia sido reconhecido. Seus objetivos, portanto, não são tão voláteis como definem os dois autores; uma perspectiva de sua reunião e funcionalização está desde já anunciada.
A sequência de assembleias das últimas quatro semanas teve uma primeira vitória – diante dos desafios, ainda singela – ao conseguir calar a ameaça de criminalização da greve mantida pela direção do sindicato desde o dia 30 de maio contra seus sindicalizados. O absurdo representado por esta situação é apenas um indício do tamanho do desafio imposto. Aos que durante todo este tempo tentaram negar a força desta “multidão”, a grande urgência por uma permanente consciência que não permita um descuido com os mecanismos democráticos e contra o geral populismo que se abateu sobre a coisa pública brasileira, incluindo a universidade, é preciso reconhecer que alguma coisa se rompeu. E isso, mesmo que seja um pequeno primeiro passo, é muito bom.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Homenagem a José Leonardo da Silva

Há dois dias, José Leonardo foi assassinado em Camaçari, porque estava abraçado ao seu irmão gêmeo. 
Brasileiros cheios de ignorância, ódio, estupidez e violência que passavam na rua onde os irmãos estavam, acharam que eles eram um casal gay e resolveram espancá-los até a morte. Seu irmão escapou por sorte.
Neste 28 de junho, dia mundial do orgulho gay, é preciso dizer que cada representante do governo federal, cada pastor evangélico que faz reverberar mensagens de ódio, cada eleitor dos partidos que hoje estão no governo tem sua parcela de culpa na morte de José Leonardo. 
Ele não foi assassinado por três ou quatro imbecis apenas, foram milhões de brasileiros cúmplices em sua morte.
28 de junho
dia do orgulho gay

domingo, 10 de junho de 2012

o legado das copas: elefantes brancos na europa

Este texto, de autoria de Sigi Lützow foi publicado esta semana, no dia 5 de junho, no jornal Der Standard, edições online e em papel. O seu conteúdo é tão interessante para o Brasil em pleno período de realização das obras nos estádios para a Copa do Mundo de 2014, que resolvi traduzi-lo ao português.
Elefantes Brancos na Europa
Da coluna “Coisas para serem vistas”, Sigi Lützow, 5 de junho de 2012, 19:29
A máxima que vale para carros novos, vale também para muitos dos estádios de futebol construídos por ocasião do Campeonato Mundial ou do Europeu: no momento em que ele começa a ser usado, o seu valor é reduzido drasticamente. Uma valorização ao longo dos anos é completamente fora de cogitação. Mas enquanto um carro completamente detonado ainda guarda um determinado valor residual, os estádios postos em utilização apenas geram despesas, que rapidamente podem ultrapassem os custos de construção iniciais.
Conceitos para o uso dos estádios após a sua inauguração interessam à confederação europeia UEFA e à confederação mundial FIFA apenas em casos excepcionais, especialmente quando decisões bizarras precisam ser justificadas. É assim que a escolha do Emirado do Qatar como sede da Copa do Mundo de 2022, que possui uma área que nem chega a ser equivalente à do estado da Alta Áustria (Obs. do tradutor: A Alta Áustria tem uma área equivalente à metade da área do Estado de Sergipe) e que construirá nove estádios novos e ampliará outros três, entre outras coisas, foi justificada com o argumento de que parte dos estádios será desmontada após a Copa do Mundo e serão doados a países em necessidade.Portugal proibiria tal presente vigorosamente. 
O anfitrião da Eurocopa 2004 (o título foi conquistado pela Grécia!) carrega com dificuldades o legado deixado por aquele verão cheio de energia. O legado é tão pesado, que se tornam cada vez mais concretos os planos, de simplesmente demolir os estádios agora completamente desnecessários, onde jogam apenas realmente times da segunda divisão ou, no melhor dos casos, times de segunda categoria da primeira divisão, e, desta maneira, economizar o custo de manutenção.Estes custos de manutenção podem ser substanciais. Na Áustria, o supostamente mais bonito, mas certamente o mais desnecessário estádio de futebol, o Estádio Worthersee, em Klagenfurt, consome a cada ano, pelo menos 500.000 euros somente com a manutenção predial – sem que haja nenhum jogo, diga-se de passagem. 
Apesar do uso moderado ou praticamente inexistente daquele que abrigou apenas três jogos da Eurocopa 2008, sabe-se agora que, para além dos custos de construção de cerca de 50 milhões de euros, foram investidos por fora, graças a um contrato de financiamento junto ao governo federal, outros 15,5 milhões, para a conclusão da bacia de 30.000 lugares.Jogados no lixo devem ser considerados os milhões investidos no estádio Tivoli em Innsbruck, enquanto que o único estádio novo que teria sido justificado para a Eurocopa 2008 , que seria o de Viena, de fato permaneceu no papel. A arena de Salzburgo é, pelo menos, a casa do Red Bull Salzburg, um time com potencial financeiro, o que vem a ser um ponto de referência para o estádio de futebol atual em Kharkiv, na Ucrânia, cuja construção, no entanto, foi em grande medida auto-financiada por parte do seu dono, o time de futebol Metalist.
Mais de dois bilhões de euros foram investidos pela Polônia e pela Ucrânia nos oito estádios onde na próxima sexta-feira se inicia o Campeonato Europeu, sendo que alguns estádios, como a Arena de 220 milhões de euros em Lviv, o estádio oval de Gdansk, que custou 190 milhões de euros e a “coisa” de 210 milhões de euros em Wroclaw, à exceção de seus três ou quatro jogos do Campeonato, foram construídos totalmente acima da demanda futura.Na África do Sul, esses investimentos são chamados de elefantes brancos. Há alguns destes por lá, que desde a Copa do Mundo de 2010 consomem uma média de dois milhões de euros por ano em custos operacionais. Diante da pobreza no país, este é um legado duplamente amargo deixado pelo Rei Futebol, que quase como em nenhum lugar é celebrado cotidianamente como na Alemanha. Por esta razão é que a infraestrutura de estádios para a Copa do Mundo de 2006, o chamado “sonho de verão”, pode ser visto como o único exemplo contrário, positivo. 
(Sigi Lützow, Der Standard, 6/7 Junho 2012)
aqui o link para o texto original, acompanhado de fotos dos 14 estádios
http://derstandard.at/1338558758010/EM-Stadien-als-Problemfaelle-Weisse-Elefanten-in-Europa