quinta-feira, 18 de julho de 2013

falta médico no interior.... da Áustria!

Um dos temas deste ano na Áustria é a falta de médicos em alguns estados do país e, em especial, nas regiões com maior taxa de população rural.
Ainda que os índices de urbanização da Áustria sejam comparativamente baixos, os médicos acompanham uma tendência dos útlimos anos de concentração nas grandes cidades.
Antes de qualquer parelelo com o Brasil é preciso dizer que a Áustria tem uma área cem vezes menor, sendo boa parte dela ocupada pelos Alpes. A outra parte, que não é montanha, é muito bem servida de infra-estrutura de transporte e de serviços em geral, incluindo hospitais. É preciso dizer também que toda a medicina na Áustria é pública: o presidente do país, o cantor George Michael - quando há um ano teve uma série crise de pneumonia quando estava em Viena para um show - ou qualquer trabalhador comum usam o mesmo hospital central de Viena, o AKH. Ter um plano privado de saúde neste país significa que em vez de estar numa enfermaria, a pessoa tem direito a um quarto individual. No mesmo hospital.
A Áustria tem 4,8 médicos por mil habitantes (Brasil: aprox. 2 por mil) e a Universidade de Medicina de Viena é o maior centro de formação em medicina do mundo, com 8.500 estudantes. Mesmo assim faltam médicos no estado mais ocidental da Áustria, o Voralberg, e faltam médicos para atender famílias em pequenos povoados.
A formação de medicina na Áustria passa por uma pressão imensa: como a Alemanha, com dez vezes mais habitantes e a mesma língua, forma muito menos médicos do que o necessário, a Áustria acaba formando médicos para a Alemanha, em um custo pago exclusivamente pelo cidadão austríaco. Foi necessário nos útlimos anos tentar de alguma maneira proteger vagas para austríacos, pois a presença dos alemães tomou dimensões esmagadoras.
A estrutura do curso de medicina é diferente tanto do atual modelo no Brasil como da proposta de dois anos de serviços obrigatórios sem plano de carreira e sem autonomia de escolha constante da medida provisória do governo brasileiro atualmente em debate. Um médico na Áustria estuda 6 anos (12 semestres) na Universidade, em tempo mínimo. Concluídos os estudos universitários, ele tem duas opções gerais a seguir em sua formação prática, sendo esta uma etapa tão essencial quantos os estudos na universidade para o exercício da profissão: a) a formação de médico clínico geral ou b) a formação de especialista.
Optando pela formação de clínico geral, o médico em formação trabalha durante no mínimo 3 anos em um hospital, sob orientação dos médicos ali empregados, ou seja sem nenhuma autonomia, tendo que obrigatoriamente passar por clínica geral, otorrinolaringologia, ginecologia e obstetricia, cirurgia, pediatria e medicina dos órgãos internos (assim é chamada na Áustria), estando um tempo mínimo previsto para cada uma destas especialidades. Após este tempo mínimo de três anos, o médico precisa se submeter a um exame do Conselho de Medicina, e somente após aprovação ele pode exercer de maneira autônoma a sua profissão. Então, para aqueles que seguirem este caminho, a formação dura no mínimo 9 anos, caso a pessoa não se atrase nem um semestre na universidade.
Optando pela formação de especialista, o médico em formação escolhe uma das quarenta e cinco especializações, que em alguns casos exigem especializações complementares obrigatórias, e terá que trabalhar em hospital sob orientação de médicos formados, no mínimo 6 anos, para depois ser submetido a uma prova do Conselho de Medicina. Então, para os médicos especialistas a formação em medicina dura na Áustria no minimo 12 anos.
O estado de Voralberg tomou algumas medidas para atrair médicos que concluíram os estudos na universidade e precisam ingressar na formação prática, entre elas um aumento do salário inicial (65 mil euros por ano, bruto) e melhores condições de trabalho. A carreira dos médicos no país é claramente estruturada, então nesta frente há pouco o que fazer.
Apenas três cidades oferecem curso de medicina e há obviamente uma tendência de o médico continuar nas grandes cidades após a formação. Ainda que uma parte do diagnóstico indique que uma das soluções seria investir mais na formação de profissionais não-médicos na área de saúde, para cumprir uma série de tarefas que na Áustria somente um médico está autorizado a fazer (como por exemplo retirar sangue de alguém para um exame), o governo insiste em abrir mais uma universidade de medicina, o que vem sendo muito criticado em várias frentes.
O que efetivamente é parte deste problema é a nova distribuição populacional do país. Como em nenhum outro lugar, os bosques são o tipo de ocupação do solo que mais cresce na Áustria, tomando lugar antes ocupado por plantações. Boa parte da malha urbana rural do país vem sendo reutilizada como casa de fim de semana, deixando de ser moradia permanente de famílias, que passam a morar cada vez mais ao redor e dentro dos grandes centros.
A questão da falta de médicos é grave porque existe uma infra-estrutura instalada e de alta qualidade que precisa ser mantida em funcionamento. Os profissionais são, dentro desta infra-estrutura, os elementos mais móveis, mais instáveis, porque afinal são seres humanos. E eles também estão interessados em morar nas cidades. Efetivamente a falta de médicos na Áustria é uma sinalização de um provável redesenho em um futuro próximo de toda a rede de infra-estrutura social no país. Mas ninguém por aqui pensa em obrigá-los a nada.