quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

na mesma onda

Nao sou economista, mas ler gráficos nao é algo tão dificil assim. 
O desenvolvimento das moedas dos ditos "emergentes" no período dos útlimos 12 meses indica antes de mais nada que o fenômeno é comum a eles. Entao, nao teria como inventar discursos de que o brasil está fora disso ou de que o brasil é robusto para tratar um tsunami como se fosse uma marolinha; a onda é mais ou menos igual para todos.
Parece que se sairá melhor desta quem tiver melhores ideias, capacidade de acao e lastro verdadeiro. Só sei que Rússia e Brasil tem dívidas imensas com equipamentos esportivos, o que nao deve melhorar muito a situação destes países. Aguardemos os competentes no assunto. Só nao sou de recomendar orações, mas parece que seria o caso.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

a morte de um popular crítico de teatro

A Áustria perdeu ontem à noite Karl Löbl, seu mais popular crítico de teatro e ópera, aos 83 anos.
Há vinte anos, quando cheguei em Viena, a vida cotidiana da cidade era de um estranhamento muito grande para quem como eu tinha vivido em Salvador até então. A lista de tudo o que indicava que aquela sociedade era bem diferente daquela onde eu havia nascido é imensa, mas duas experiências cotidianas sempre terão destaque: a ausência de catracas para o acesso ao transporte público e a crítica teatral de Karl Löbl nas notícias na TV.
Karl Löbl foi um jornalista de teatro e música, atuante em toda a sua vida na área da cultura. Era muito vesgo e usava óculos grandes, com design antigo, combinado muitas vezes com uma cabeleira assanhada. Sim, um daqueles rostos "anti-televisivos".
O surpreendente da crítica de Löbl na TV é que ela era ao vivo, de dentro do teatro, no momento dos aplausos. Dono de uma cultura teatral e musical fantástica, ele era capaz de uma precisão incrível, fundamental para o tempo de não mais que pouquíssimos minutos da janela de cultura das notícias. Sem meios termos, ele poderia ser cruel com diretores, atores, maestros, cantores, cenógrafos, falando diretamente da plateia, com as imagens ao fundo do elenco recebendo aplausos e vaias.
A cada estreia na Ópera ou nos Teatros, lá estava Karl Löbl no jornal das dez durante os anos 90 exercendo a sua crítica descompromissada. Seus elogios eram igualmente sinceros. Era muito estranho para mim que aquilo acontecesse nas notícias na TV.
E não há ninguém que chegue perto do seu trabalho.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A morte do baladeiro

"Morreu violentada por que quis
Saía, falava, dançava
Podia estar quieta e ser feliz
Calada, acuada, castrada

(...)
Queremos o seguinte no jornal
Quem mata menina se dá mal
Sendo gente bem ou marginal
Quem fere uma irmã tem seu final"
da canção Mônica, de Ângela Ro Ro

Em 1985 Ângela Ro Ro compôs uma das canções mais políticas já escritas no Brasil, Mônica, na qual assumia publicamente a defesa da menina assassinada depois de uma balada, ampliando enormemente a voz dos que exigiam justiça diante de uma opinião pública machista e cheia de preconceito disposta a transferir a culpa para a vítima. No curto momento de esperança coletiva nas instituições democráticas que foi aquela época em meados dos anos 80, o caso Mônica Granuzzo, como ficou conhecido, abriu uma grande discussão e colaborou para uma mudança de atitude na sociedade em geral que contribuiu muitos anos depois para que a lei Maria da Penha viesse a ser sancionada.
Contudo, creio que o nome de Mônica jamais viria a batizar uma lei no Brasil: sem desmerecer em nada o grande engajamento de Maria da Penha e sua grande contribuição social, parece que era necessário que as barbaridades contra uma mulher atingisse a condição de violência doméstica para poder ter o "aval de reconhecimento moral" da sociedade brasileira. Daí que, como a lei Maria da Penha tem seu importante foco na violência dentro do lar, lugar protegido do olhar do outro, o caso Mônica, se acontecesse nos dias de hoje, provavelmente não poderia nela ser enquadrado. Talvez não seja por acaso o apoio tão aberto por parte das religiões majoritárias a esta, repito, importante lei.
A ideia de que um adolescente entre 16 e 18 anos não deveria estar se divertindo na balada por a rua (o espaço não-doméstico) ser no Brasil um lugar de nenhuma segurança, a ideia de que a vítima do assassinato tem culpa por ter saído para se divertir, é a principal denúncia da canção de Ângela Rô Rô, e ela foi amplamente usada no caso Mônica para encobrir o moralismo machista e já ressurge agora no assassinato de Kaíque Augusto, pretendendo encobrir duplamente homofobia, a de quem o matou e a de quem tenta transferir a culpa para a vítima. Se a abertura política trouxe para o Brasil dos anos 80 uma nova onda de liberdade, inclusive sexual, nos últimos anos, a afirmação da cultura LGBT, da qual as paradas são o seu momento mais popular, abriram um campo maior para afirmação individual de sexualidades. A fragilidade da adolescência é então submetida a uma grande onda de ressentimento e ódio que pratica de vez em quando a imolação física em alguns, e que a amplia e multiplica depois no discurso. Mônica permanece em algum lugar do inconsciente coletivo como a "putinha" e Kaíque é posto logo na gaveta da "bichinha": e esta ação, pejorativa que é, desprotege ainda mais os mais fragilizados. 
Mesmo considerando todas as estatísticas absurdas de crimes e violência do país, que faz compreensível a apreensão de qualquer família ao permitir um filho sair para a balada à noite, não pode ser aceitável que tanto moralismo seja capaz de insistir em tornar nebulosas as motivações para as torturas a que Kaique Augusto ou Alexandre, cuja mãe foi entrevista por Stephen Fry, foram submetidos antes de ser assassinados.



Eu resisto muito a comparações com o facismo, mas diante dos casos de Kaíque e Alexandre, quem insiste hoje no Brasil em não reconhecer as razões homofóbicas destes crimes bárbaros, é o equivalente de um alemão médio morador de uma cidade grande que, em pleno ano de 1943, tendo visto em 1938 a noite do cristal, tendo presenciado a expulsão de viizinhos judeus, tendo escutado notícias sobre as deportações, ainda assim dissesse que não teria como acreditar em boatos sobre câmara de gás porque nunca viu nenhuma.
Escrita em outro contexto, a canção Death of a Disco Dancer dos Smiths (traduzida ao português contemporâneo, A morte do baladeiro) é tristemente atual. Termino aqui como um apelo e uma homenagem.

"A morte do baladeiro
bem, isso acontece muitas vezes por aqui,
E se você acha que a paz
é uma meta comum
isso só mostra 
o pouco que você sabe

A morte do baladeiro
Bem, eu preferiria não me envolver
eu nunca falo com meu vizinho,
eu preferiria não me envolver

Paz, amor e harmonia?
Tá certo, tudo bonitinho,
mas talvez só no próximo mundo..."

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

culturas do autoritarismo em tempos contemporâneos, 2

A Espanha hoje não fala de outra coisa: a infanta Cristina foi imputada pelo juiz que é o responsável pelo caso de enriquecimento ilícito envolvendo o seu marido, Inaki Urdangarin.
Como chama a atenção o El Pais, a casa real, tendo aprendido de um comentário feito no ano passado, quando se declarou surpresa diante de uma situação semelhante no mesmo caso, causando constrangimento por ter o comentário sido compreendido como tentativa de influência sobre a justiça, desta vez irá simplesmente dizer que "respeitamos as decisões judiciais".
O rei da Espanha teve papel de articulador político na transição democrática e, como representante do Estado, sabe que há pouca chance de ser dito mais que isso quando se vive em uma democracia.
Muito distante do Brasil de 2013, onde pessoas intimamente ligadas aos poderes executivo e legislativo atacaram violentamente as decisões do Supremo. Para não esquecer.

culturas do autoritarismo em tempos contemporâneos, 1

É carnaval em Salvador e você quer tomar uma cerveja: você vai de isopor em isopor, de balcão de bar em balcão de bar, e não vai conseguir tomar a cerveja que você queira, você só encontrará uma única marca (e, pelo visto, será aquela que parece mais água amarela que bebida alcóolica). Está desenhado para ser assim e, mesmo que fosse a melhor das cervejas, você não terá como escolher a que você costuma tomar.
Acontece que, apesar de décadas de sufoco, o lugar do carnaval (ainda) é a rua - e mesmo que um dia retirem das ruas os elementos produtores de lucro às custas do carnaval da rua, o carnaval de e na rua continuará a existir, porque ele é muito anterior a isso - e a rua é o espaço do público e do comum, é o lugar a que todos têm o direito de ter acesso por definição; o lugar do livre comércio inclusive, onde no dia-a-dia da cidade, caminhando pelas calçadas, é possível ter acesso a todos os produtos, inclusive todas as marcas de cerveja.
Se não for assim, temos a rua sitiada: estará impedido em sua funcionalização mais do que simbólica o lugar fundamental da possibilidade de livre pensamento e de livre circulação e associação de pessoas e ideias. Entre as liberdades da rua, está obviamente a liberdade de escolha, inclusive de escolha do que comprar.
É interessante perceber que o clima social e político que trata demonstrações críticas a bala, cassetete e prisão cerceia o livre comércio desta maneira. Não há nenhuma contradição nesta atitude, é o autoritarismo recrudescendo em várias frentes.
Há mesmo uma cultura política terrivelmente estabelecida no país que toma como pressuposto de ação o aniquilamento das liberdades individuais - inclusive a da escolha da cerveja que cada um queira tomar - em troca de um bem-comum às vezes apenas sugerido (como, por exemplo, a ideia de que as contas públicas não são afetadas por determinados investimentos em troca de patrocínios); do jeito que vai, logo, logo não somente a cerveja será única.