domingo, 29 de junho de 2014

a boca do rio na barra

Domingo, pouco depois do por-do-sol. 
Embora as estruturas da fifa fan fest estejam sem uso, ecoa um resto de festa do dia anterior, quando por ocasião do jogo do brasil muita gente esteve por aqui: turistas e nativos assistem ao jogo que acontece naquele momento em TVs nos bares, sentados em cadeiras de plástico, que depois da copa não mais serão permitidas no bairro, como se sabe desde hoje; um grupo de pessoas fotografa uma destas estátuas vivas, repetindo um rito que nunca consegui entender; quatro homens tocam tambor e, embora o som produzido seja escutado desde muito longe, apenas três pessoas assistem à apresentação de percussão; muita gente simplesmente passeia, vindos de outros bairros, e os já iniciados explicam aos novatos tanto o funcionamento da instant city do futebol como as novas regras de trânsito da área.
A ambiência é exatamente aquela do antigo Aeroclube (ah, e com que propriedade esta cidade produz realidades que permitem associar o adjetivo antigo ao Shopping agora em demolição!) Os jarros distribuídos pela orla, acompanhados de bancos que ao ritmo de sim/não olham para o mar, tendo à frente as horrorosas balaustradas que substituem as que ali estavam, nos fazem procurar em vão pelo lugar da fonte que jorrava do piso e que divertia tanto as crianças, lembram? 
Mas a ambiência ali reproduzida não é exatamente deste aeroclube dos primeiros gloriosos dias, orgulho de gestões municipais e tema de matéria de revista semanal nacional. A ambiência ali reproduzida é de quando o shopping já estava meio fechado, com lojas abandonadas, tudo meio sinistro, meio escuro e já enferrujando. As edificações limítrofes à nova calçada da Barra formam um conjunto arruinado, abandonado, destruído, compondo uma espacialidade que faz aquela intervenção parecer estar em uma Bagdá ou uma Beirute em reconstrução após intensos bombardeios.
É evidente que uma parte destes imóveis será destruída e outra parte será recauchutada para aproveitar a garantia de aluguéis mais caros nos próximos tempos. Mas o fantasma do aeroclube já ronda a área. Aliás, já está lá.
PS: quem não mais lá está é o monumento a Stefan Zweig. Em se tratando de Salvador, acho até que durou muito tempo.

domingo, 15 de junho de 2014

da vaia, do Estado e do parlamentarismo

A vaia na abertura da Copa foi o atestado mais vivo de que o parlamentarismo precisa urgentemente substituir o presidencialismo, ainda que ela não seja uma razão para a mudança de regime.
O público presente no estádio enalteceu um dos símbolos do Estado, o hino; longe de qualquer ofensa àquilo para o qual a seleção de futebol também está em rela
ção de representação, o público fez o hino nacional vibrar por mais tempo que a gravação da base com os instrumentos. Então o público não tinha problemas com o Brasil, com esta entidade que une os brasileiros independente de suas opiniões políticas, este denominador comum geral, sustentado por cultura e pela própria máquina estatal. 
Em uma cerimônia como esta, o país é normalmente representado pelo chefe de Estado, que em democracias parlamentaristas não desempenha nenhuma função no governo.
As vaias e o xingamento na abertura da Copa foram para o chefe de governo, que infelizmente no Brasil é também o chefe de Estado.
Aquela cerimônia não tem nada a ver com o governo (ou melhor, nao deveria, exatamente para não ser cooptada), mas era a chefe do governo que estava lá, vestida com as cores da bandeira nacional, tentando capitalizar em votos algo que deveria estar acima da disputa eleitoral pelo governo. Nisso ela ofendeu o Estado. Mas poucos se importam com ele no Brasil.