Não assisti a muitos curtas no XI Panorama Internacional Coisa de Cinema, mas entre os que tive a chance de ver dois merecem um comentário, ainda que tanto tempo depois. O primeiro deles é
Quintal, de André Novais Oliveira, acertadamente premiado no Panorama.
Quintal é provavelmente a mais inteligente, divertida, trash, aguda, inquietante e desconcertante produção artística de 2015 no país. Este exagero meu é reflexo da grande sensação de um vento forte e refrescante, varrendo tudo, que o filme deixou: urbano, nonsense e com um título acadêmico, como as coisas ao nosso redor.
O outro filme de que gostei muito foi
Em Paz, de Clara Linhart.
Em Paz trata de espaço e memória urbana: a diretora, em um filme muito bem editado e que se utiliza da inserção musical como um excelente mecanismo de estruturação da narrativa fílmica, demonstra, de uma maneira mais que didática, tanto os elementos que compõe a memória urbana como toca em questões essencialmente espaciais, em seu documentário sobre o cemitério das prostitutas judias no Rio de Janeiro.
A partir de um muro e um portão, Clara Linhart apresenta ao espectador a memória guardada pela vizinhança, a memória recuperada pelos estudiosos, a memória reorganizada pela construção identitária e a memória registrada na cultura popular, para ir desvendando aos poucos tudo que aquele espaço, mais que representa, define, mantém, estrutura, abriga e articula, desafiando a dinâmica urbana e demonstrando o quanto ele - qualquer espaço! - precisa ser entendido menos como um livro aberto e mais como uma pedra de roseta ou um palimpsesto irreproduzível. E percebendo esta impossibilidade de reprodução, associada ao caráter sacro que o cemitério judaico guarda para o espaço - exatamente aquele único ali, que não pode ser tocado - o documentário revela muito precisamente como o espaço é tão comumente neglicenciado e como dele não se pode escapar. Imperdível para arquitetos,
Em Paz é primoroso em tornar acessível ao público em geral questões tão importantes como esquecidas.